O advogado e psicólogo Leandro de Moura Ribeiro faz artigo para refletir sobre a imagem da mulher que pega uma televisão de 20 polegadas e põe debaixo da saia para roubar de uma loja. Na sua análise, ele faz analogia com o atual momento da política brasileira, em que os escândalos se sucedem de forma frenética e a população se mostra, a cada dia, mais indignada com a roubalheira.
confira o artigo:
Somos honestos? Somos dignos de um governo honesto? Ou o “povo tem o governo que merece”?
Por Leandro de Moura Ribeiro, mestre em Criminologia, advogado, psicólogo, especialista em Educação e Direito Constitucional.
Após ver um vídeo da senhora que se apropriou de uma TV, colocando-a sob sua saia, fantasiei entrevistá-la antes e perguntar o que pensava sobre corrupção; não causaria espanto se a resposta fosse carregada de ódio (aquele que cega e não permite desabrochar o pensamento crítico), e quiçá pediria a morte de políticos corruptos, pois no seu âmago deve acreditar que abomina corrupção.
Comportamentos assim, frutos do atual “zeitgeist” – espírito da época – de falar sem base científica ou reflexão-crítica e de atribuir ao outro um comportamento nosso, consciente ou de forma mais ingênua, demonstram a hipocrisia reinante. E enquanto sociedade precisamos nos reavaliar, revisitar nossos valores; solicitar que o outro faça o correto, mas fazer o certo em primeiro lugar. É difícil? Exercitemos!
Nesse sentido, cumpre asseverar que estamos vivendo tristes e nojentos tempos de hipocrisia e desonestidade. Tempos de um moralismo contagiante, mas de falta de caráter contagiante na mesma ou maior proporção. Sempre me reavalio e digo: não creio que eu seja 100% honesto, já que sou um humano falho e acostumado aos vícios do mundo. Consciente disso, luto para sê-lo algum dia.
Por outro lado, e sabendo que o nosso moralismo “linka” corrupção política, entendo que enquanto só a aparência de honestidade for parâmetro para colocar alguém no poder, a chance de a caricatura de Hitler ganhar as eleições presidenciais é grande, apesar de eu não cair no canto da sereia, e acreditar que seja apenas um oportunista.
O episódio de receber dinheiro da JBS e negar veementemente e, após pressão de um jornalista, admitir e dizer que todos receberam, já me desnudou o caráter dele que em nada difere dos demais políticos profissionais que agem por seus interesses próprio-pessoais. Indício disso é que a família inteira dele está fazendo carreira na política à custa do seu “carisma” (?).
Politicamente, trata-se de um rascunho malfeito de Hitler, já que este era um gênio e aquele demonstra ser desprovido de crítica-reflexiva, e dotado de pensamentos automáticos, primários e imediatistas. Quanto à sua índole, o problema nem foi ter recebido o dinheiro da JBS, já que essa empresa, numa sujeira institucionalizada, doava para todos os partidos, que repassavam a seus candidatos. O que maculou o caráter da caricatura de ditador populista-nazista é o fato de ele negar o recebimento, e depois admitir com “todos receberam”. Isso foi nojento, demonstrou sua completa capacidade de manobrar, para esconder eventuais atos de corrupção, o que me remete à senhora do furto da TV. Para mim, quem não admite uma falha, não é confiável!
Mas, sendo sincero, já não me preocupa o insano no poder. Talvez seja o que falta para o Brasil regredir de vez. Primeiro, com um governo tirano, em um 2017, em que estão sendo retirados os direitos financeiros, poder aquisitivo, do povo (não se deve fazer tudo apenas para melhorar a economia e crescer o país! Não é isso que põe comida na mesa do pobre – é distribuição de renda! A economia pode ser gigantesca e o país ter uma desigualdade maior ainda – vide Índia). E então, para completar, com o Hitler mal desenhado, também regrediremos em direitos humanos tão odiados por quem crê, sem base, se tratarem de direitos de bandidos.
É só nos aprofundarmos e veremos que os militantes de direitos humanos são os únicos, nesse País instável juridicamente, que ainda lutam por nossa dignidade, e especialmente para que se respeite a CRFB/88, já que esta aparenta não passar mais do que mero livro para nossas Cortes mais altas da Justiça.
E então teremos as mulheres em segundo escalão, teremos os negros desprezados, teremos os quilombolas sem respeito, teremos os deficientes sem isenções de impostos, teremos os LGBTS amedrontados, teremos os sem-terras assassinados em massa, teremos os índios sendo obrigados a se civilizarem de acordo com nossa crença… Todos esses sem suas políticas afirmativas de inclusão. E sejamos sinceros. Sabemos que se não fossem tais políticas muitos de nós não estaríamos onde estamos, e mencionei num grupo de whatsapp de minha turma de Direito, que muitos colegas sequer estariam ali, já que entraram na faculdade por quotas.
Aproveito para dizer que me lembro bem do tempo em que eu, apesar de solidário (cria eu!), era contra quotas. Durante o 1º do curso de Direito, escrevi um artigo em que pesquisei muito sobre políticas afirmativas para mulheres no ambiente de trabalho, e um ciclo se rompeu. Algo em minha cabeça estalou, ocorreu um “insight”. A partir dali, consegui entender a importância e a necessidade de tais políticas, abominadas pelos que defendem a todo custo que, por sermos todos iguais, são desprezíveis leis ou ações que dão privilégios para determinados seres humanos.
Ocorre que somos iguais, sim, todos! Mas, na nossa sociedade, somos apenas iguais perante a lei. Isso se trata de uma igualdade formal, que assegura o direito de isonomia, mas não passa de letra, que pode acabar sendo letra-morta.
A igualdade material, aquela que permite que todos, na prática, tenhamos mínimos direitos, só é possível ser alcançada quando “desigualamos para igualar”, quando damos preferência para pessoas vulnerabilizadas, só assim a justiça social pode começar a ser feita, e as oportunidades para os que não as tinham podem surgir, mesmo que de maneira impositiva – mas isso incomoda quem sempre teve privilégio, quem sempre conseguiu que seus filhos tivessem as melhores oportunidades, quem se vê obrigado a ter que pagar dignamente alguém que antes era uma coisa, ser humano escravizado…
Ainda sobre a corrupção, aproveito para fazer aqui um relato rápido. Um familiar moralista-protestante, que julgava a todos que agem de forma diferente do que o pastor dele pregava [ele é quem dizia que o pastor disse isso ou aquilo], apareceu certa vez, durante uma campanha eleitoral, com o carro adesivado, e o questionei sobre o porquê de adesivar o carro com alguém desonesto. Ele respondeu que saiu ganhando, pois teria enchido o tanque do carro com gasolina.
Então eu disse que aquilo era errado, ou pecado como ele preferia dizer; ele se defendeu rindo e dizendo que não era bobo, que teria recebido o dinheiro, mas não votaria no candidato; então, retruquei alegando ser pior ainda, pois além de tudo, teria enganado o homem. E olha que o carro adesivado é uma excelente propaganda eleitoral (tanto que o indivíduo fora eleito!). Terminamos a conversa com o clássico de: analise seu comportamento em vez de ficar julgando as demais pessoas!
Finalizando, eu me recordo das manifestações de 2013, que foram motivadas por anarquistas contra o poder de modo geral (já decepcionados com parte da própria esquerda que acabou cedendo ao sistema), pois objetivavam o caos, para que dele surgisse a revolução. E nesse sentido, vejo que, apenas depois desse processo de Temer visando a melhorar a economia, aumentando a desigualdade social, deixando a conta no bolso dos cidadãos mais pobres – que esses paguem o pato; seguido por Bolsonaro, retirando direitos de dignidade humana voltados para as minorias, é que os brasileiros, muitos deles, ou parte, amadurecerão politicamente, pelo menos na nossa geração.
Como eu já venho de uma geração que pegou resquícios da ditadura, sei que quando os brasileiros sangrarem, pedirão um governo que olhe para todos e não seja um puxadinho dos EUA, que não troque seus cidadãos por migalhas, em nome de crescimento da economia. Mas até lá, talvez enfrentemos 20 anos de hemorragia…
Quanto à pergunta do título, respondo: enquanto sociedade, temos um governo que é nosso reflexo, de modo que não merecemos um governo honesto. Essa falácia de que o brasileiro é correto em sua maioria cai por terra quando percebemos que a própria competitividade diária estimula a desonestidade. São fortes os que resistem, e devem ser valorizados! Mas tenho acompanhado nosso cenário político e vejo que vence eleições é, em geral, quem compra mais votos, e se ganha é por que a maioria votou, então, apesar das exceções de honestidade, o povo tem o governo que merece.