Aos 10 anos de idade, Maria Aparecida perdeu os pais e acabou morando com parentes. Aos 14 anos de idade, ela começou a trabalhar e foi morar sozinha em um pensionato no centro de São Paulo (SP), quando passou a ser independente. Quase seis décadas depois, ela cogitou ser candidata a deputada estadual ou federal para voltar a não depender de ninguém, nem do marido famoso, o ex-governador Pedro Pedrossian (1928-2017).
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No entanto, o plano de entrar na política como protagonista da própria história não se concretizou. O sonho foi abortado por Pedrossian. “Eu queria ser independente, não depender do dinheiro dele nem de ninguém”, relembrou a ex-primeira-dama, durante entrevista exclusiva concedida ao O Jacaré na última sexta-feira (1º).
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Mesmo não disputando nenhum cargo eletivo, essa paulista, nascida na Mooca, bairro tradicional paulistano formado por italianos, e com apenas a 8ª série do ensino fundamental, vai deixar sua marca em Campo Grande. Ela dá nome para o bairro na saída para Três Lagoas e ao Hospital Universitário da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Como na época não havia restrições a dar nome vivos a próprios públicos, o marido decidiu lhe homenagear com o Bairro Maria Aparecida Pedrossian, um dos 10 conjuntos habitacionais criados na Capital, como Aero Rancho, Coophavila II e Moreninhas, entre outros. “Eu aceitei a homenagem, fiquei feliz”, relembrou. Atualmente, o bairro conta com aproximadamente 30 mil habitantes, segundo professor Jânio Batista Macedo.
Maria Aparecida ficou órfã aos 10 anos de idade – o pai faleceu em decorrência de um câncer e a mãe, de AVC. Logo após perder os pais, ela ficou fazendo rodízio na casa de parentes. Aos 14 anos, ao conquistar a carteira de trabalho, ela foi trabalhar como vendedora nas Lojas Brasileiras, uma espécie de Pernambucanas da época.
Como não concluiu os estudos, esforçou-se para concluir o curso de aeromoça aos 18 anos. Na época, Maria trabalhou na Real, uma das principais companhias aéreas da época, e viajava para países como Estados Unidos, Argentina e Uruguai.
A sua história mudou aos 21 anos ao encontrar o engenheiro civil Pedro Pedrossian na Praça das Sé, centro de São Paulo. “Estava fazendo compras”, lembra, sobre o amor à primeira vista – o termo não é citado pela ex-primeira-dama. Conforme a pensionista, em aproximadamente seis meses, eles acabaram se casando. “Eu falei para ele, eu te acompanho, vamos embora”, contou, sobre o trabalho na Novoeste, a rede ferroviária entre Bauru e Corumbá que levaria o marido ao estrelato na política.
Por anos, o casal acabou morando em cidades do interior de SP, como Lins, Araçatuba e Bauru. Com a política no sangue desde jovem, Pedrossian era entusiasta da UDN e apoiou a eleição de Jânio Quadros, único sul-mato-grossense a chegar à presidência da República, e acabou sendo nomeado diretor da Novoeste.
O casal e os filhos sempre viajavam de trem de Bauru até Miranda, onde residia a família do ex-governador. Nem tudo era glamour. Como diretor da companhia, ele tinha direito a viajar em um vagão da locomotiva, que ficava no final do comboio. Como não havia pedrisco, a família chegava ao destino coberta de poeira.
Com a renúncia de Jânio e a posse de João Goulart, o Jango, Pedrossian acabou sendo demitido do cargo de diretor e a família acabou indo morar em Miranda. O trabalho na Novoeste projetou Pedrossian como uma das principais lideranças do Mato Grosso. Mesmo sendo do sul, ele acabou sendo eleito governador ao derrotar Lúdio Coelho.
Maria Aparecida lembra que o marido arrasou nas urnas, mas a música do adversário é que fazia sucesso nos comícios de Pedrossian. Em 1965, ele acabou eleito como candidato de oposição ao Governo Militar, que começava a implantar a ditadura militar no Brasil.
Em Cuiabá, o principal desafio do casal foi conquistar os cuiabanos. Na primeira experiência como primeira-dama, Maria Aparecida priorizou a assistência social, que se transformou em sua marca. Um dos destaques foi a fundação da APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais).
Um incidente acabou marcando outro projeto. Durante uma reunião com o governador do Mato Grosso, um estudante desmaiou de fome. Pedrossian contou a história e Maria Aparecida, junto com uma amiga, Sinhorita Monteiro, fundou o restaurante dos estudantes. O dinheiro para manter a refeição era “desviado” da residência oficial do governador. Cerca de mil alunos foram beneficiados.
O estudante que desmaiou acabou virando funcionário do Tribunal de Contas e deputado pelo Acre. Há cerca de 10 anos, ao visitar o governador Reinaldo Azambuja (PSDB), ele lembrou da ajuda e mandou agradecer, mais uma vez, a ex-primeira-dama.
Maria Aparecida passou a cuidar dos jardins em Cuiabá. Ela conta que acabou caindo em uma pegadinha de um cuiabano. Ao vê-la cuidando do jardim do palácio do governo, o homem ofereceu um pacote de sementes, que dizia ter trazido da França. Maria plantou e acabou infestando o local com fedegoso. A viúva relembra a história aos risos.
Ela também ficou famosa para dar festas no 6º andar do prédio do Governo para conquistar os moradores da região norte. Artistas nacionais iam até a cidade para animar as festas. A estratégia deu certo, porque, segundo a ex-primeira-dama, os cuiabanos ficaram fãs e choraram quando Pedro deixou o Governo em 1971.
Pedrossian ficou afastado da política por vários anos. Ele acabou voltando em 1978, quando foi eleito senador. Em 1980, ele renunciou ao cargo para ser nomeado governador de Mato Grosso do Sul.
Durante dois anos, até 1982, quando Wilson Barbosa Martins (MDB) foi eleito, Maria Aparecida voltou a se dedicar ao social como primeira-dama. Ela conta que passava o dia recebendo os pobres, que buscavam desde alimentos até tratamento médico. Alguns eram encaminhados até para São Paulo.
O casal voltou ao poder em 1991, quando Pedrossian foi eleito para exercer o cargo de governador pela 3ª vez. Maria Aparecida ficou famosa como “Maria Panelão” pela distribuição de cesta básica para famílias pobres. “A comida estava muito cara e a inflação alta”, relembrou. Na sua versão, o pacote doado pelo Governo lotava a dispensa das famílias carentes.
Ao ver que as mulheres não conseguiam trabalhar porque não tinham onde deixar as crianças, Maria Aparecida pediu que Pedrossian construísse creches nos bairros. Ela conta que foi construída uma em cada bairro de Campo Grande.
Outra intercessão da então primeira-dama foi para a aquisição da máquina de cobalto para retomar o tratamento de câncer, que estava suspenso na Capital após a máquina quebrar no HU. Na época, 200 doentes estavam na fila esperando pelo tratamento. O marido atendeu o pedido ao instalar o equipamento no prédio de um hospital abandonado na Avenida Marechal Cândido Mariano, que acabou dando início ao atual Hospital do Câncer Alfredo Abrão.
Mesmo não disputando cargo eletivo, Maria Aparecida sempre foi ativa nas campanhas do marido e dos aliados. Em 1982, ela acabou indo parar na Polícia Federal na campanha a governador de José Elias Moreira. O adversário era Wilson Martins, que mandou forrar a Rua 14 de Julho, principal palco político da época, com a campanha eleitoral.
Ao tomar conhecimento da ousadia, Maria Aparecida acabou reunindo um grupo amigas e cobriram toda a propaganda do adversário com o material de Zé Elias. Ela conta aos risos de que acabou indo parar na PF, onde ficou detida por umas três horas. Um amigo se apresentou como advogado, mesmo não sendo, e acabou liberando todo mundo.
Pedrossian tentou retornar ao poder em 1998, quando ficou de fora do segundo turno da disputa do Governo, e 2002, quando perdeu a vaga de senador. Para Maria Aparecida, o marido perdeu para os comunistas, que investiram muito dinheiro na eleição de Zeca do PT.
Já a campanha para o Senado, ela acredita que “roubaram 500 mil votos na urna eletrônica”. Mas a ex-primeira-dama também acredita que houve traição do MDB, que acabou trocando Pedrossian por Delcídio do Amaral na dobradinha com Ramez Tebet. Na época, o ex-governador estava filiado ao MDB.
Para Maria Aparecida, o único filho a se aventurar na política, Pedro Pedrossian Filho, o Pepê, acabou sendo vítima de armação. Ele teve apenas um mandato de deputado federal. Ao buscar a reeleição, ele acabou tendo desgaste com a revelação de que matou uma criança atropelada.
De acordo com a ex-primeira-dama, o acidente foi uma fatalidade, porque ocorreu em uma avenida movimentada na saída para São Paulo. “Ele ficou marcado por causa disso”, lamentou. O caso teria sido explorado, conforme Maria Aparecida, com a ajuda de André Puccinelli (MDB).
Agora, ela tem esperanças de que o neto reinsira a família na política. Pedro Pedrossian Neto (PSD) foi secretário municipal de Finanças na gestão de Marquinhos Trad e será candidato a deputado estadual. “Ele tem futuro, é leve, todo mundo gosta dele, é muito competente e foi professor de economia em São Paulo”, gaba-se a avó.
Maria Aparecida é defensora ardorosa do presidente Jair Bolsonaro (PL). A idade não é obstáculo para ela brigar com os “comunistas” em grupos de WhatsApp. “Temos um dever com a nova geração, não podemos deixar um país comunista para eles”, defendeu.
Apesar de ser bolsonarista, ela adotou todos os cuidados recomendados durante a pandemia da covid-19. Durante a primeira cepa, que era mais perigosa, ela ficou totalmente isolada na fazenda da família com o filho, Pedro Paulo Pedrossian. Ele era o responsável por higienizar os alimentos e produtos enviados para Maria. “Ele não deixava ninguém entrar nem sair”, comenta.
A ex-primeira-dama tomou as quatro doses da vacina, seguindo a orientação das autoridades e especialistas de saúde. Na sua opinião, a covid-19 foi uma invenção da China para dominar o mundo.
Aos 88 anos, Maria Aparecida Pedrossian é caseira. Como sai pouco de casa, ela acabou nem ficando sabendo que o relógio voltou para a Rua 14 de Julho, no cruzamento com a Avenida Afonso Pena, palco de movimentos históricos de Mato Grosso do Sul.
A ex-primeira-dama é fã das séries nos serviços de streaming, como Netflix. Um dos últimos que assistiu foi O Grande Guerreiro Otomano, com 448 capítulos. “Assisti todos”, gaba-se.