Em uma conversa com advogados, “flagrada” por promotores de Justiça, o juiz Márcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal de Campo Grande, detonou o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e o Tribunal de Justiça. Além de considerar injusta a prisão dos advogados supostamente ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital), o magistrado afirmou que “deixa brechas” nas decisões para que os réus consigam habeas corpus ou tranquem as decisões da justiça sul-mato-grossense no Superior Tribunal de Justiça.
Com base na conversa, que acabou sendo gravada, o Ministério Público Estadual pediu a suspeição do magistrado e o envio de três ações penais da Operação Courrier, que levou a prisão de seis advogados e ao cumprimento de 27 mandados de busca e apreensão, ao substituto legal. Conforme a denúncia, o grupo dava suporte à organização criminosa surgida nos presídios de São Paulo para atuar no ataque contra promotores e juízes de MS e de Minas Gerais.
Veja mais:
Após prender advogados e servidores, operação afasta defensor público em ação contra “gravatas” do PCC
Seis responsáveis pela “rifa” do PCC em MS são condenados a 40 anos de prisão
PF não tem estrutura para frear criminalidade na fronteira e PCC é terrorista, diz juiz Odilon
Na defesa, o juiz Márcio Alexandre Wust acusa os promotores de violarem o sigilo da conversa reservada entre o magistrado e os advogados. Ele também se diz vítima de interceptação ilegal por parte da promotoria. Ele negou o pedido e se declarou não-suspeito (veja matéria).
O caso promete causar polêmica na advocacia e no Poder Judiciário. No pedido de suspeição, os promotores Marcos Roberto Dietz, Gerson de Araújo, Tiago Di Giulio Freire e Antenor Fereira de Rezende Neto, pedem que três ações sejam encaminhadas ao substituto da 6ª Vara Criminal.
Inicialmente, os promotores contam que era corriqueiro Wust indeferir os pedidos de produção de provas e de publicar despachos sem fundamentação adequada, causando “interposição de recursos a cortes superiores até a anulação do recebimento de denúncias”. Outro fato é que o magistrado não confrontava os argumentos da defesa com as provas e as circunstâncias do processo, limitando-se a dizer que não procediam.
No entanto, o entendimento mudou com o “flagrante” da conversa entre o juiz Márcio Alexandre Wust e o advogado Marco Antônio Arantes Paiva, um dos réus na Operação Courrier, por supostamente atuar para ajudar o PCC. “Os promotores testemunharam espantosa considerações do juiz”, observam na petição.
Em um trecho, o magistrado queixa-se da dificuldade em soltar os réus presos em processos conduzidos pelo Gaeco. “Daqui do Estado, ele é terrível esse negócio… não solta, não…”, diz o magistrado para o advogado. “Cê rejeita, eles aceitam de novo… então eu dou uma decisão assim, eu dou uma brecha pro cara conseguir ir para HC e ir pro STJ, lá consegue”, disse Wust, conforme o relato do Gaeco.
Em outro trecho, o juiz condena a manutenção da prisão do advogado Bruno Ghizzi, preso desde a deflagração da Operação Courrier. “Até hoje não saiu, né, eu não vejo motivo para ele ficar preso, é que o Tribunal não solta”, afirmou, sobre o advogado.
“E do senhor, vou… adiantar a decisão, eu acho que o senhor consegue um trancamento disso aí”, avaliou, sobre a ação penal contra Marco Antônio, o réu interlocutor da conversa polêmica. O advogado até diz que não tem ligação com Marcola, um dos principais líderes do PCC, e que, com 40 anos de carreira, sempre teve orgulho de ser advogado.
Em seguida, o magistrado e o advogado conversam sobre o STJ e criticam a “inteligência artificial. “Aquilo é um absurdo”, avaliou o defensor. Em seguida, o magistrado diz que eles correm o risco de um ministro não analisar o habeas corpus.
Márcio Alexandre Wust também justifica a manutenção da prisão de Ghizzi. “O Dr. Bruno não vou soltar, em outros processos, eu soltei, tomei uma canetada do tribunal. Eu achei até que iriam me representar. Olha que doideira”, contouu.
Em seguida, o magistrado aconselha o advogado a pedir a revogação da prisão preventiva do advogado nas instâncias superiores, mas avalia que a chance é “pequena” no TJMS. “No STJ, a chance é bem melhor”, avaliou.
Para os promotores, o juiz deve ser declarado suspeito porque emitiu valor negativo do Gaeco, das manifestações do Tribunal de Justiça e da prisão de Bruno Ghizzi. Outro ponto é que ele disse que deixa lacunas nas decisões para os réus reverterem no STJ.
Em despacho publicado na quinta-feira (2) no Diário Oficial da Justiça, o juiz negou o pedido do Gaeco. Ele se declarou não-suspeito e descartou enviar o caso para o substituto. Na defesa, ele apresentou as testemunhas contra a suspeição.