Richelieu de Carlo e Edivaldo Bitencourt
O júri do século condenou, nesta quarta-feira (19), Jamil Name Filho, 46 anos, a 23 anos e seis meses de prisão em regime fechado por ter sido mandante do assassinato do estudante Matheus Coutinho Xavier. Ocorrido há quatro anos, a brutal execução do universitário aos 20 anos com sete tiros de fuzil foi o estopim da queda do empresário e do pai, Jamil Name, então poderosíssimo empresário, intocável e anfitrião de delegados, juízes, desembargadores, deputados, senadores e até governador do Estado.
A sentença é o desfecho quatro anos após o crime, ocorrido no início da noite de 9 de abril de 2019. A pena vem se somar a outras três condenações de Jamilzinho, que somam 23 anos de prisão na Operação Omertà. Octogenário, Jamil Name acabou não indo a julgamento em decorrência da morte na prisão, em junho de 2021, em, decorrência das complicações da covid-19.
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Os jurados concluíram, por maioria, que há provas de que Jamil Name Filho foi o mandante da execução por engano do estudante. O juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, fixou a pena em 23 anos e seis meses de prisão no regime fechado. O empresário vai continuar preso no Presídio Federal de Mossoró. Foram 20 anos pelo homicídio e três anos por posse ilegal de arma de fogo.
Conforme a sentença, Jamil foi condenado por homicídio qualificado e porte ilegal de arma de fogo. O juiz destacou a crueldade do crime. Ele também apontou que houve a apreensão do arsenal de guerra no casa do Bairro Monte Líbano. Outro ponto foi de que houve a apreensão na casa do empresário de um suporte para dez fuzis, indicando que poderia ter mais armas de fogo de grosso calibre.
O policial Vladenilson Daniel Olmedo, 63, foi condenado a 21 anos e seis meses de prisão. O guarda municipal Marcelo Rios, 46, também foi condenado a 23 anos por homicídio e porte ilegal de arma de fogo.
A importância do julgamento foi enfatizada pelo promotor Moisés Casarotto. “Este julgamento está sendo citado como o ‘julgamento da década’, mas, aqui será julgado umas das famílias mais poderosas de Mato Grosso do Sul, eu diria até do País. O seu Jamil Name também era para estar aqui, mas faleceu. Eles nunca imaginavam que estariam no banco dos réus. Dentro do nosso estado, este é o julgamento mais importante da história de Mato Grosso do Sul”, declarou.
A família tem em sua fortuna milionária diversos imóveis, fazendas, gado, título de capitalização e até o Joquéi Club de Campo Grande, criado e comandado por “Jamilzão”, como também era chamado o patriarca. Em uma das casas da família, na região central de Campo Grande, estava o armamento pesado encontrado com o ex-guarda municipal Marcelo Rios, que foi crucial para desencadear a Operação Omertà.
As investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público Estadual, revelou os Name como líderes de uma milícia armada para eliminar quem fizesse frente a real fonte de renda da família, a exploração do jogo do bicho e a agiotagem mediante extorsão.
O promotor Moisés Casarotto, primeiro a se manifestar pela acusação, abriu os trabalhos hoje com a famosa frase: “De picolezeiro a governador. Vai ser a maior matança do MS”, atribuída a Jamil Name Filho, em mensagem interceptada durante a investigação. O texto foi citado mais adiante novamente como foi efetivamente escrito.
“A matilha é minha, eu não morro fácil! Que faça a maior matança de MS. De picolezeiro a governador”, disse Jamilzinho em mensagem a ex-mulher, interceptada pela investigação da Força-Tarefa formada por delegados do Garras e por promotores do Gaeco.
Moisés fez questão de destacar a importância da família Name nas entranhas do Poder aqui no Estado, com influência entre senadores, deputados, prefeitos, governadores, juízes e desembargadores. “Menos no Ministério Público”, ressaltou.
Em um dos pontos chave da investigação e que foi apresentado no júri, há um depoimento do desembargador aposentado Joenildo Barbosa Chaves, ex-presidente do Tribunal de Justiça de MS. O magistrado participou de um jantar na casa dos Name em que houve uma briga entre Jamilzinho e o advogado Antônio Augusto Souza Coelho por causa da compra da fazenda Figueira, de 19,1 mil hectares em Jardim.
Joenildo Barbosa disse que foi chamado para ajudar na negociação e tinha “facilidade a conciliação”. A conversa, segundo o desembargador, começou amena até chegar na dívida envolvendo a fazenda. “Houve alteração dos dois lados. O Jamilzinho mandou fazer um bacalhau, abriram um vinho, mas o clima azedou. Fomos embora porque o clima ficou exaltado”, relatou.
O informante Paulo Roberto Teixeira Xavier, o PX, afirma que, na ocasião, Name Filho portava uma arma. Enquanto o ex-presidente do TJMS diz que não viu o objeto. Durante o júri, o capitão da reserva da PM prestou depoimento na condição de informante. Na versão da acusação, o jovem morreu metralhado por engano no lugar do pai.
Outro ponto apontado a respeito do poderio dos Name ocorreu quando o promotor relembrou que, assim que a investigação chegou ao hacker contratado para monitorar PX, Eurico dos Santos Mota, peça chave da investigação, o delegado Carlos Delano foi afastado a mando do Jamil Name, o pai.
Os representantes do Ministério Público Estadual deram ênfase ao volume de provas apresentadas durante o processo contra o trio de acusados e comparou com o caso do assassinato do delegado Paulo Magalhães, ocorrido em junho de 2013. “Se não condenamos lá por falta de provas, aqui sobram provas”, disse o promotor de Justiça Douglas Oldegardo, se referindo à suspeita contra os Name de também terem sido os mandantes naquela ocasião.
Sobre o assassinato de Matheus, Oldegardo afirmou que “tem provas de sobra” que comprovam a culpa de Jamilzinho, Vladenilson e Rios na morte do jovem. No primeiro momento, coube a Moisés apresentar aos jurados as mensagens interceptadas que constroem o cenário que liga as armas encontradas com Marcelo Rios a Jamil Name.
“Dias antes da prisão de Rios, Rafael Antunes ligou e deu o nome claro do Jamil. Ele avisou que é para ele [Rios] tirar as armas e entregar para o Velho e para o Jamilzinho. Limpar o local”, relatou o promotor. Rafael é ex-guarda civil metropolitano e foi condenado em uma das ações da Omertà.
O promotor disse que tem provas de que Eliane Benites Batalha dos Santos, ex-esposa de Marcelo Rios e testemunha de defesa, recebeu por meses para mudar a versão do depoimento.
“Os jurados terão acesso ao que o Ministério Público apurou, coisas que os delegados que falaram aqui nem imaginam que aconteçam. A Eliane que falou aqui e mudou o depoimento, recebeu R$ 5 mil por mês para mudar a versão do depoimento. Temos provas e vamos mostrar os recibos”, revelou Moisés.
Eliane foi testemunha-chave para desvendar os crimes investigados na operação Omertà, mas mudou de lado e depôs a favor da defesa. No entanto, para o Ministério Público, a troca de lado, não afetou a comprovação de que o crime teve envolvimento do trio de acusados. “Se a gente tirar a Eliane do processo ainda vai ter prova de sobra”.
Ao promotor Douglas Oldegardo coube abordar a motivação para o mando do assassinato do policial Paulo Xavier, que começou no jantar em que houve o desentendimento entre Jamil Name Filho e Antônio Augusto Souza Coelho, por causa da negociação da Fazenda Figueira. A propriedade pertenceu à Associação das Famílias para Unificação e Paz Mundial e foi comprada pelo advogado.
Jamilzinho demonstrou interesse em comprar a fazenda, o que foi feito por meio da empresa da família, a Trianon. No entanto, diversas pendências travaram o negócio, que foi parar em câmaras de arbitragem, alternativas à Justiça. Após anos, o acordo foi reconhecido. Antônio Augusto, porém, alegou haver um saldo a ser pago para associação pela Trianon.
Sobre o valor devido, o promotor Oldegardo disse que, durante a investigação, se chegou ao montante de R$ 30 milhões. Nos interrogatórios, Jamilzinho falou quantia menor e, na terça-feira (18), não quis responder à pergunta, feita pela assistente de acusação, Cristiane de Almeida Coutinho.
O representante do Ministério Público diz que a briga foi tão intensa que o advogado teve problemas de saúde e foi internado em São Paulo. Antes funcionário dos Name, PX estava em defesa de Antônio Augusto, o que teria sido considerado uma traição por Jamilzinho e, como manda a regra na máfia, segundo o MPE, resolveu mandar matar o ex-funcionário, mas acabou vitimando Matheus Xavier.
Jamil Name Filho já tinha sido condenado a 23 anos e dois meses em três sentenças da Operação Omertà. Na primeira condenação, pelo arsenal de guerra encontrado em uma casa no Bairro Monte Líbano, ele pegou quatro anos e seis meses de prisão. O outro réu, Marcelo Rios, foi condenado a cinco anos e quatro meses. Em outra sentença, por organização criminosa, foi condenado a seis anos.
Na terceira sentença, por extorsão armada para tomar a casa mediante ameaças do empresário José Carlos de Oliveira, ele foi condenado a maior pena até o momento, 12 anos e oito meses no regime fechado.
No total, conforme o promotor Gerson Eduardo de Araújo, a Operação Omertà levou o Gaeco a protocolar 19 ações criminais contra os integrantes da organização criminosa supostamente chefiada por Name.
Jamil Name Filho e o pai, que morreu em junho de 2021 em decorrência das complicações da covid-19, foram formalmente acusados de serem os mandantes de três homicídios: Matheus Coutinho, do chefe da segurança da Assembleia Legislativa, Ilson Martins Figueiredo, e do empresário Marcel Hernandes Colombo, o Playboy da Mansão.
Ministro do STJ diz que não há provas
A equipe de defesa de Jamilzinho deixou claro o poder econômico do réu. Entre os advogados estavam Nefi Cordeiro, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, e Eugênio Malavasi, renomado criminalista de São Paulo. A principal tese foi de que não há provas que ligam o empresário como mandante do assassinato do capitão Xavier, mas que vitimou seu filho Matheus, então com 20 anos.
“Não há qualquer prova de mando. Para condenar, é exigida a prova da autoria, da participação no crime”, defendeu Nefi. Ele enfatizou que não havia nenhuma prova cabal que ligava o empresário ao assassinato brutal de Matheus Coutinho Xavier.
“Nós não estamos julgando a vida dessas pessoas. Só estamos julgando um fato. Prova direta, ninguém discute, não há. Não tem uma testemunha, não uma gravação telefônica, não tem uma câmera, não tem um documento que registre ordem ou, pelo menos, consentimento, ‘acho que vai acontecer e vou ficar quieto”, enfatizou Cordeiro.
Cordeiro sustentou que no processo há apenas indícios de autoria do crime, como até considerou o STJ, nos recursos, e que levou o juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, a aceitar a denúncia.
O ex-ministro do STJ e advogado de Name orientou os jurados sobre a prova que tem que existir “acima de uma dúvida razoável”. “Prova que não lhes deixe dúvida. Nós não julgamos pessoas, nós julgamos um crime” e pediu que os julgadores não se deixassem levar pela “pressão da mídia”.
O advogado Nefi Cordeiro, responsável pela defesa de Jamilzinho, afirmou que não foi feita Justiça e vai recorrer ao Tribunal de Justiça para anular o júri e pedir um novo julgamento.