Mário Pinheiro, de Paris
Ninguém no mundo podia compactuar com o nazismo, as câmeras de gás, o amontoado de judeus mortos de frio, inanição ou executados, depois enterrados em vala comum como se fossem animais. Era o tempo da miséria humana e da banalização do mal como bem escreveu a filósofa judia Hanna Arendt.
Pouco a pouco se formou um tribunal para julgar alemães que participaram do holocausto. Poucos voltaram do inferno dos campos de concentração para testemunhar a dor da mais pura barbárie. Mas Hanna Arendt se perguntava se o mal era banal ou radical quando grande quantidade de pessoas humanamente desvalorizadas eram colocadas em vagões de trens de animais para o destino final.
Veja mais:
No Divã Em Paris – Hamas resiste e Israel dá sentença de morte, segundo a ONU
No Divã Em Paris – A razão do absurdo na deficiência física
No Divã Em Paris – A imigração africana assombra a Europa
Os judeus espalhados pelo mundo, denominado diáspora, foram chamados para ficar numa terra onde pudessem viver em segurança, longe das discriminações e injustiças. Mas hoje a carnificina mudou de endereço, faz jogo duplo com a mentira, semeia ódio, quem era vítima passou a ser opressor.
Nesta terra, Israel, planta-se de tudo, e a política deste recanto não obedece os limites da propriedade dos vizinhos, isto é, avançam, formam colônias, expulsam os habitantes com escavadeiras, bombas lançadas de avião, drones e tiros de canhão em nome não se sabe de quê, talvez da democracia impulsionada pelo principal interessado, o país dominante do lado Ocidental, Estados Unidos. O mal não é somente o oposto do bem, mas a consequência de decisões políticas interesseiras.
Sócrates sustentava que ninguém é maldoso voluntariamente, deliberadamente, e que o que é mal é inspirado do exterior. Seu maior discípulo, Platão, descreve nos diálogos de Sócrates com Menon, que o homem desconhece o que é bom para si.
Vladimir Jankélevitch sustenta que o mal não existe se por existência a gente entende uma coisa que é, uma substância, por exemplo, uma mesa de massagem, e que não existe micróbio do mal.
“Investiguei o que é o mal e descobri que não se trata de uma substância, mas da perversidade de uma vontade que se afasta da substância soberana”, disse Santo Agostinho. A substância soberana é o sumo bem, a fraternidade alicerçada de diálogo.
Mas o mal pode ser contagiante nos dias atuais se vier com todo apoio da imprensa que consegue assumir seu lado parcial e desprezível. Para Albert Camus, o mal que está no mundo vem quase sempre da ignorância, e a boa vontade pode fazer muito desgaste se ela não for declarada.
Ao representante da filosofia idealista alemã, Friedrich Wilhelm Joseph Shelling, não existe nada de positivo no mal. Cada ser, segundo ele, pode se revelar pelo seu contrário, o amor no ódio, a unidade no conflito e que Deus é a liberdade.
Emmanuel Kant afirma que existe uma inclinação natural pelo mal. O homem não é maldoso ou diabólico, segundo Kant, e ele evita falar da existência do “mal radical”, como Hanna Arendt, mas Kant não viveu as maldades do mundo contemporâneo.
O mal radical foi retomado por Arendt para indicar um sistema onde todos os homens se tornaram supérfluos. Ela conclui dizendo que os manipuladores deste sistema estão convictos da superfluidade dos outros.
O mal entre Israel e Palestina está no interesse americano em ter um aliado como Israel no Oriente Médio onde possa impor suas rédeas nesta guerra fria requentada. Tudo o que Israel faz contra a Palestina é assinado embaixo pelo poder político americano.
A cartada da votação na ONU contra a proposta do Brasil, de um cessar-fogo e da abertura de um corredor humanitário foi bloqueada pelos Estados Unidos a pedido de Israel. Eles conseguiram banalizar o mal num voto. No mal está o anjo derrotado que busca sua vitória na morte sangrenta assim como a destruição. O erro não está em nomear Israel como país, mas na negação em dar à Palestina o mesmo direito.