O corretor de gado José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco, 50 anos, foi sentenciado a dois anos e oito meses de prisão por não declarar rendimentos à Receita Federal e deixar de recolher R$ 1,697 milhão, que seriam de propina supostamente paga pela JBS. Além da pena, ele ainda tem uma dívida de pelo menos R$ 4,760 milhões com o fisco pelo dinheiro sonegado.
Polaco ficou famoso nacionalmente por ser um dos denunciados pela Operação Vostok, ao lado de figuras como ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB), o deputado estadual Zé Teixeira (DEM), o conselheiro do Tribunal de Contas, Márcio Monteiro, o prefeito de Porto Murtinho, Nelson Cintra (PSDB), o advogado Rodrigo Souza e Silva, filho de Reinaldo, entre outros.
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De acordo com o Ministério Público Federal, Polaco deixou de declarar, em suas declarações de imposto de renda de 2015 e 2016, valores que recebeu da Buriti Comércio de Carnes, de Aquidauana, dinheiro supostamente proveniente de corrupção da JBS.
O grupo multinacional teria pago propina para ter isenções fiscais. O total repassado ao ex-governador sul-mato-grossense foi de R$ 67,791 milhões e causou prejuízo de R$ 209,7 milhões aos Estado, conforme a então subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo.
O esquema é citado na sentença pelo juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande.
“Segundo consta, os fatos foram descobertos após atuação da Receita Federal do Brasil […], motivada pelo fato de José Ricardo Guitti Guimaro constar como beneficiário de valores pagos através de transferências bancárias realizadas pela empresa Buriti Comércio de Carnes Ltda, esta, por sua vez, recebedora de valores oriundos do grupo JBS em esquema de corrupção no Mato Grosso do Sul, conforme apurado no âmbito de desdobramentos da operação denominada ‘Lava Jato’”, informa o magistrado.
No decorrer do processo, Polaco confessou que os valores transitaram em sua conta pessoal, mas não lhe pertenciam. Ele alegou que apenas cedeu sua conta para que os recursos fossem levados aos beneficiários finais, os supostos “agentes públicos corruptos”, cuja apuração é feita em ação penal derivada da Operação Vostok.
A defesa do corretor de gado ainda afirmou que é “impossível” pagar a dívida de R$ 4.760.504,20, montante resultado do acréscimo de juros e multa. As testemunhas ouvidas em juízo declararam que o acusado é “pessoa simples, reside em uma casa humilde e não possui riquezas”.
O juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira explica que o réu até poderia ser considerado inocente se não soubesse da entrada dos valores em sua conta, ou seja, que sua conta tivesse sido utilizada por terceiros sem o seu conhecimento ou consentimento, o que não é o caso.
“No caso em tela, o réu assumiu que, de fato, os valores transitaram em sua conta. Ao permitir a utilização de sua conta para ingresso de capital, estava ciente o acusado do dever de declaração ao fisco, bem como do recolhimento dos tributos inerentes”, definiu o magistrado.
Para o titular da 3ª Vara Federal, Polaco conseguiu provar que atua como corretor de gado, recebendo comissão em percentual pela compra e venda dos animais, mas não justificou como, apesar de ser “pessoa simples”, valores milionários, “inapropriados à dinâmica do negócio”, circularam em sua conta.
Outro fator que chamou a atenção e causou estranheza ao julgador, foi a sistemática de movimentações financeiras relatada pelo MPF e pelo acusado.
“Convenhamos, essa sistemática de trabalho, de escrituração fiscal e de trânsito de valores descrita pelo réu é para lá de estranha, para dizer o mínimo, pois há rotinas intermediadoras absolutamente desnecessárias, do ponto de vista da realidade das operações envolvidas”, pondera o magistrado.
“Isso ficou claro na instrução, pois nem o réu e nem as testemunhas ouvidas, nomeadamente as testemunhas de defesa, algumas delas corretoras de gado também, conseguiram apresentar justificativa razoável para essa ‘forma de trabalho’”, prossegue.
“Ao que parece, entretanto, esse esquema foi idealizado para as mais diversas finalidades neste Estado: de sonegação fiscal por todas as partes envolvidas (produtor, intermediário, frigoríficos etc.) – pois quem ficava com o passivo tributário era o frigorífico, literalmente um ‘boi de piranha’, registrado em nome de terceiros, geralmente -, como também à lavagem de dinheiro”, conclui.
Sobre a incapacidade de Polaco pagar a dívida de mais de R$ 4 milhões, o juiz explica que o valor sonegado originalmente é de R$ 1.697.143,84, e a incapacidade atual de pagamento não afasta o crime.
“Logo, o que se tem é a presença materialidade e autoria e, por outro lado, versões defensivas pouco críveis e desprovida de provas, insuficientes, portanto, para gerar dúvida minimamente razoável e afastar a tese acusatória, razão pela qual concluo pelo condenação do réu”, decidiu o juiz, em sentença do dia 3 de julho.
A pena de dois anos e oito meses de reclusão, no regime aberto, foi convertida em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de cinco salários mínimos, além do pagamento de 13 dias-multa, fixado o valor unitário em três vezes o maior salário mínimo vigente ao tempo da sonegação cometida.
José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco, pode recorrer da sentença.
Operação Vostok
A ação penal protocolada pelo MPF contra Reinaldo e outros réus pela suposta propina de R$ 67,7 milhões da JBS tramita em sigilo na 2ª Vara Criminal de Campo Grande, comandada pelo juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior. O tucano foi denunciado no dia 15 de outubro de 2020 no STJ e está com R$ 277 milhões bloqueados desde setembro de 2018, quando foi deflagrada a Operação VostoK.