A Corregedoria Nacional de Justiça afastou o juiz Paulo Afonso de Oliveira, titular da 2ª Vara Cível de Campo Grande. O magistrado é investigado por venda de sentença na Operação Ultima Ratio. A Polícia Federal aponta que ele comprou apartamento de luxo, avião e uma fazenda avaliada, no mínimo, em R$ 30 milhões, além de ter o hábito de sacar de R$ 100 mil a R$ 200 mil em espécie e declarar à Receita Federal valores muito abaixo dos efetivamente pagos.
O afastamento de Paulo Afonso do cargo foi determinado pelo ministro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça, por indícios de envolvimento em esquema de corrupção e fraude judicial com base em evidências oriundas de inquéritos e documentos compartilhados pelo Supremo Tribunal Federal.
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Em novembro, Campbell já havia solicitado ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informações detalhadas sobre a atuação do juiz em processos e determinou a abertura de reclamação disciplinar. O inquérito no Conselho Nacional de Justiça investiga as denúncias de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de capitais contra o magistrado.
Na investigação há indícios de movimentações financeiras incompatíveis com os rendimentos de Paulo Afonso de Oliveira, além de conexões com outros investigados na Operação Última Ratio, que apura venda de sentença em tribunais estaduais e também no Superior Tribunal de Justiça.
“A celeridade no afastamento do magistrado, segundo o corregedor nacional, também se destina a preservar a integridade das investigações e evitar interferências no processo”, diz o CNJ, em nota divulgada nesta sexta-feira (20).
Vida de milionário
Na magistratura há 24 anos e sete meses, Paulo Afonso declarou salário mensal médio de R$ 69,8 mil entre 2016 e 2019, de acordo com a quebra do sigilo fiscal. Com rendimentos totais de R$ 3,3 milhões no período, ele ainda declarou rendimentos de R$ 688,7 mil com a atividade agropecuária.
A movimentação bancária do magistrado tem indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Ele declarou ter pago R$ 580 mil em um apartamento do Edifício Grand Tower, em Campo Grande, em 2017. No ano seguinte, ele elevou o valor do imóvel para R$ 680 mil na declaração do IR.
A investigação chegou ao contrato firmado pelo juiz e a dona do apartamento, no qual o valor declarado era maior, R$ 943,5 mil.
Cinco anos depois, no ano passado, o juiz fez proposta para comprar a Fazenda Nova Guaporé, em Bodoquena, por R$ 18 milhões. Parte do pagamento seria em espécie. O apartamento entraria no negócio pelo valor de R$ 2,250 milhões – valorização de 230% em cinco anos.
“Outrossim, além de chamar a atenção as divergências de valores declarados, inclusive com valores abaixo do valor base do ITBI/ITCD, causa estranheza a suposta valorização do referido imóvel, tendo em vista que, após ter sido declarado por R$ 680 mil em 2018, seria oferecido em 2023 (período de 5 anos) no valor de R$ 2,5 milhões, o equivalente a mais de 3,6 vezes o valor inicialmente declarado”, pontuam os federais.
Oliveira propõe ainda dar outro apartamento no Living Parque dos Poderes no valor de R$ 700 mil. O pagamento em espécie teve duas propostas. Na primeira seriam R$ 3,2 milhões, sendo entrada de R$ 1,3 milhão e duas de R$ 950 mil. Ou seriam R$ 2 milhões em dinheiro vivo na primeira e o restante, R$ 1 milhão, na segunda parcela. O relatório não informa se o magistrado concluiu o negócio.
Avião e fazenda de R$ 30 milhões
Paulo Afonso de Oliveira comprou 50% de avião Cessna 182 e informou ter pago R$ 100 mil. A PF estima que a aeronave custe, no mínimo, quase quatro vezes mais. O avião está avaliado entre R$ 750 mil e R$ 1,3 milhão. A declaração do IR trouxe um valor muito abaixo do mercado.
O magistrado informou que comprou a Fazenda Recanto da Serra, com 1.030 hectares, em Miranda. Ele informou à Receita Federal ter pago R$ 700 mil na área em 27 de maio de 2008. A propriedade com 1.679 bovinos. Só os semoventes estariam avaliados em mais de R$ 5 milhões.
A PF estima que o valor de mercado da fazenda seria de, no mínimo, R$ 30 milhões. O valor pode chegar a R$ 70 milhões.
“Em que pese terem se passado 15 anos, a diferença de R$ 700 mil para R$ 30 milhões em tal período aponta novamente, a nosso ver, que PAULO AFONSO declarou valor de aquisição de tal fazenda abaixo do real para ocultar a origem dos recursos utilizados, podendo ter natureza ilícita”, concluíram os investigadores.
Equívocos da PF
A defesa do juiz Paulo Afonso de Oliveira afirma que o magistrado não recebeu qualquer depósito em dinheiro vivo, muito menos depois de proferir decisão em ação de execução. Também não tem um avião de um milhão de reais, tampouco uma fazenda de R$ 70 milhões.
Na defesa encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça, o juiz rebate ponto por ponto e apresenta comprovantes bancários para desconstruir a suspeita da PF sobre os indícios de enriquecimento ilícito, venda de sentença e de conluio com a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva no golpe de R$ 5,3 milhões em um aposentado do Rio de Janeiro.
De acordo com Paulo Afonso, ele comprou a Fazenda Recanto da Serra por R$ 700 mil em 2008. A propriedade de 1.030 hectares seria usada para a atividade de pecuária e agricultura. No entanto, conforme o juiz, apenas 30% é destinada para a atividade agropecuária. O restante seria de reserva legal e de preservação ambiental.
Contudo, a defesa do magistrado não apresentou o valor de mercado do imóvel. Os advogados destacaram que a fazenda faz divisa com a Reserva Kadiwéu e fica na Serra da Bodoquena.
Sobre o apartamento em um condomínio de luxo, Oliveira diz que pagou R$ 800 mil, sendo que o pagamento foi parcelado e quitado com empréstimo da Caixa Econômica Federal e até bezerros.
Sobre a valorização do imóvel, que saltou de R$ 800 mil para R$ 2,250 milhões, ele explicou que o apartamento foi adquirido sem estar totalmente concluído.
O magistrado rebateu a acusação da PF de que sonegou informações sobre o real valor do avião. Ele informou ter pago R$ 100 mil, 50% do valor da aeronave. De acordo com a investigação, o avião estaria avaliado entre R$ 750 mil e R$ 1,3 milhão.