A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul extinguiu a ação civil pública em que o Ministério Público Estadual cobra ressarcimento dos cofres públicos e indenização por danos morais coletivos que totalizam R$ 102,7 milhões. Entre os réus estão o médico Adalberto Abrão Siufi e o espólio de sua filha Betina Moraes Siufi Hilgert, morta vítima de câncer em 2021.
O tribunal considerou que, na denúncia de improbidade administrativa, o MPE não comprovou a existência de repasse de recursos públicos diretos que permitissem a caracterização de dano ao erário ou enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limitando-se a “alegações genéricas” sobre má gestão interna da Fundação Carmem Prudente, sem impacto comprovado sobre o patrimônio público.
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Além disso, o colegiado esclareceu que somente são sujeitos às sanções por improbidade administrativa os atos praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de entes públicos, o que não se verifica no caso da Fundação Carmem Prudente.
A decisão atende recurso das defesas de Adalberto Siufi, ex-diretor do Hospital do Câncer, e o espólio de sua filha, mas também beneficia os demais réus Issamir Faris Saffar, Blener Zan, Adalberto Chimenes e Luiz Felipe Tenazas Mendes, acusados de desviar verba para tratamento de pacientes de câncer, o que levou ao grupo ser batizado de a “Máfia do Câncer”.
O MPE apontou que os dirigentes da Fundação Carmem Prudente, do Hospital Universitário, e da Santa Casa atuavam para manipular o serviço de oncologia em Campo Grande e outras cidades em Mato Grosso do Sul. A família de Adalberto Siufi utilizava de sua influência no Poder Público para obter informações e favores em prol de sua atividade.
O relator do agravo de instrumento, juiz Vitor Luis de Oliveira Guibo, definiu que a denúncia apresenta “fortes indícios” de formação de cartel, crime contra a ordem econômica, pois os acusados tinham como objetivo o domínio do mercado na área de tratamento do câncer.
Entretanto, o Ministério Público discorre sobre a atuação dos réus perante a Fundação Carmem Prudente e, apesar de apontar a prática de ato de improbidade administrativa dos mesmos, a petição inicial não contém a descrição de tal conduta, relata o juiz.
“[O MPE] Relata a relação contratual entre a Fundação, dirigida por Adalberto Abrão Siufi e a empresa Saffar & Siufi Ltda, que tem como sócios Adalberto e Issamir Farias Saffar, corréu na ação de improbidade administrativa”, diz o voto do relator.
“No entanto, constata-se que a fundação recebia repasses financeiros do Fundo Nacional de Saúde, por meio do SUS. Mas, uma vez realizado o repasse, o valor é incorporado ao patrimônio da fundação e não mais pertence ao município.”
“Não menciona de maneira expressa um possível cartel e nem argumenta (fundamento jurídico) de que apenas o fato de a fundação ter recebido numerário sem prestação ADEQUADA do serviço pudesse ser entendido como ato ímprobo”, argumenta.
O réu Blezer Zan, por sua vez, era diretor-presidente da Fundação Carmem Prudente e também sócio-proprietário da empresa Elétrica Zan, e de quem constantemente a Fundação adquiria produtos e serviços.
Betina Siufi era a responsável pelo movimento financeiro da Fundação, recebendo remuneração pelo serviço, e também administrava a empresa Saffar & Siufi, que prestava serviços para a fundação.
O Ministério Público narra que a Fundação firmou contrato de prestação de serviços médico-radiológicos com a empresa Refix – Serviços Técnicos e Radiológicos Ltda, empresa de Adalberto Chimenes.
Para o juiz Vitor Luis de Oliveira Guibo, o órgão ministerial “não logrou comprovar a prática de ato de improbidade administrativa”.
“Inegável a conduta irregular, e possivelmente criminosa dos requeridos (e que se ainda não foram processados pode ter havido prescrição), porém tal conduta não restou descrita na inicial”, definiu o magistrado.
“Dessa forma, não há justa causa para manutenção do processo, eis que não se vislumbra da descrição na petição inicial prejuízo a entes da administração pública, seja direta ou indireta. Como já mencionado, a Fundação Carmem Prudente é pessoa jurídica de direito privado”, arrematou.
O voto do relator foi seguido pelos demais integrantes da 2ª Câmara Cível que participaram do julgamento, os desembargadores Eduardo Machado Rocha e Nélio Stábile. O acórdão foi proferido em 12 de fevereiro.
A ação é mais uma derivada da Operação Sangue Frio, deflagrada pela Polícia Federal em março de 2013, ou seja, completa 12 anos no próximo mês. Desde então os processos esbarram em prescrições e decisões favoráveis aos réus, além da tradicional morosidade do Judiciário, com raras condenações na esfera federal.