A Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal em outubro de 2024, apreendeu uma caixa de documentos na casa do então presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desembargador Sérgio Fernandes Martins, com planilhas de controle mensal de parte de suas despesas, acompanhadas de comprovantes de pagamentos, relativas ao período de outubro de 2023 a setembro de 2024.
Conforme o relatório da PF encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, os balanços e comprovantes relativos aos 11 meses totalizam o montante de R$ 894.338,09, e não levam em consideração “gastos ordinários” como alimentação diária, compras de mercado, despesas de residências e pessoais, como roupas e cartão de crédito. Deste total, R$ 192.261,07 teriam sido realizados em dinheiro em espécie.
Veja mais:
Filha ganhou R$ 920 mil para obter alvará dado por Sideni em venda de fazenda de R$ 20 mi
Suspeita de dinheiro vivo na compra de carros e gado colocou presidente do TJ na mira da PF
“Erros grosseiros” tentaram macular honra de maneira “covarde e canhestra”, afirma Martins
Outros R$ 143.467,85 foram registrados em comprovantes que não descreveram a forma em que os pagamentos foram realizados, muitos eram recibos manuais, usualmente utilizados para comprovação de pagamentos em espécie. Ainda, vários pagamentos foram efetuados em lotérica, onde também é costume utilizar dinheiro em espécie para quitação de dívidas, afirma a PF.
Alguns comprovantes de pagamentos realizados em lotéricas descrevem expressamente terem sido em espécie. “Dessa forma, levanta-se a suspeita de que referidos pagamentos não identificados quanto à forma tenham sido efetuados em ESPÉCIE, a qual é reforçada uma vez que não foram identificadas transações bancárias que pudessem corresponder aos valores e datas descritas”, avalia a Polícia Federal.
O relatório da PF informa que R$ 96.153,40 dos pagamentos teriam sido realizados por servidores do TJMS. Esse montante considera tanto os valores pagos em espécie, quanto através das contas pessoais dos servidores em favor do desembargador Sérgio Martins.
Os investigadores destacam que, frente aos dados bancários disponíveis, obtidos através do afastamento de sigilo bancário, as remessas de valores oriundas de Sérgio Martins e destinadas aos servidores do TJMS “não suportam os montantes por eles despendidos”. “Ou seja, em regra, os servidores desembolsaram valores muito maiores do que os repassados pelo Desembargador para cada um deles”, afirmam.
A quebra de sigilo mostrou que o ex-presidente do TJMS, em 2023 e 2024, fez cinco saques em espécie, que totalizaram a “irrisória” soma de R$ 3.300,00.
“Torna-se pertinente registrar, ainda, a existência de pagamentos/depósitos, aparentemente em ESPÉCIE, realizados em terminal bancário localizado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS. Ou seja, tais numerários estariam em posse do Desembargador em seu gabinete, ao que tudo indica, o que chama a atenção”, ressalta o relatório.
A Polícia Federal solicitou ao desembargador Sérgio Martins informações sobre a origem do dinheiro para pagamento das despesas encontradas na caixa de documentos. Em resposta, o magistrado disse que são custeadas com seus proventos, assim como dinheiro em espécie que recebe como doação de seu pai, o desembargador aposentado Sérgio Martins Sobrinho, 93 anos.
Os investigadores defendem que o dinheiro utilizado é “ilícito” derivado de vendas de sentenças.
“Entendemos que as explicações apresentadas, somadas aos elementos colhidos, demonstram que se trata de dinheiro ilícito, ao que tudo indica proveniente das vendas de decisões judiciais por SERGIO MARTINS, pois não há sentido em receber centenas de milhares de reais de seu pai e não depositar o dinheiro em banco, e fazer com que seus assessores percam tempo comparecendo dezenas de vezes a bancos e lotéricas para realizar pagamentos e depósitos”, argumenta a PF.
“Além disso, não explica a origem de dinheiro em espécie em poder de seu pai, que é desembargador aposentado”, prossegue o relatório. “Caso tal versão fosse verdade, o pai do declarante estaria criando um problema para ele, entregando centenas de milhares de reais de dinheiro em espécie, gerando suspeitas contra seu filho sobre a licitude da origem do dinheiro”, conclui.
Operação Ultima Ratio
Relatório da Polícia Federal apontou que sete desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, inclusive dois ex-presidentes da corte, cometeram os crimes de corrupção e venda de decisões judiciais. O conselheiro Osmar Domingues Jeronymo, do Tribunal de Contas do Estado, ainda é acusado pelos crimes de organização criminosa, falsificação de documentos e extorsões.
Conforme a PF, há provas dos crimes de venda de decisões judiciais contra os ex-presidentes do TJMS, desembargadores Sérgio Fernandes Martins e Divoncir Schreiner Maran (aposentado), e os desembargadores Alexandre Aguiar Bastos, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva e Júlio Roberto Siqueira Cardoso (aposentado, onde foram encontrados R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo).
Já Jeronymo integrou a organização criminosa que comprou as decisões judiciais e falsificou a escritura de fazenda e ainda teria extorquido as vítimas. O advogado Félix Jayme Nunes da Cunha é apontado como o operador do esquema criminoso integrado pelos desembargadores.
O delegado da PF pediu a propositura de ação penal contra os magistrados porque há entendimento no STF de que não há indiciamento de autoridades com foro especial.
O advogado do desembargador Sérgio Martins, Felipe Carvalho, classificou a conclusão da Polícia Federal como “estapafúrdia”. Já o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, de Sideni Pimentel, também refutou e destacou que seu cliente nunca atuou em processos em que os filhos atuavam como advogados.
Sérgio Martins foi o único que conseguiu retornar ao cargo, enquanto os demais seguem afastados.