Um “recadinho” do desembargador Sideni Soncini Pimentel, alvo da Operação Ultima Ratio, para magistrado que julga processo da empresa do seu filho por dano ambiental em Bonito, é um dos destaques no relatório da PF (Polícia Federal) encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O contato por meio do aplicativo WhatsApp foi em 28 de agosto de 2024, um dia depois do MPE (Ministério Público do Estado) entrar com a ação civil pública. No diálogo, Sideni envia mensagem questionando se poderia ligar para o juiz Milton Zanutto Junior, que estava para assumir a titularidade das 1ª e 2ª Varas em Bonito.
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O juiz responde que sim e que estaria à disposição. Na sequência, Sideni encaminha imagem de um processo judicial.
“Trata-se de uma Ação Civil Pública que tramita na 2º Vara em Bonito/MS. Na época, a juíza do processo era PAULINNE SIMÕES DE SOUZA, no entanto, pelo contexto da conversa, o juiz MILTON ZANUTTO estaria para assumir a titularidade da 1ª e 2ª Vara em BONITO/MS, o que ocorreu de fato posteriormente. Na imagem enviada por SIDENI é possível notar que uma das partes é a empresa MEOP & PHOP HOLDING E ADMINISTRAÇÃO LTDA cujo proprietário é seu filho RODRIGO GONÇALVES PIMENTEL”.
O desembargador também mandou mensagem de áudio. Sideni relata que o “pessoal envolvido nesse caso” deixou um material mostrando como, em outrora, foi resolvido os problemas dos decks em Bonito e o enviaria ao magistrado.
“Apenas para você se inteirar da questão aí que você vai ter que resolver. Um abraço pro cê, tchau, tchau”.
O material enviado cita que o MPE arquivou caso em 2014 por considerar que decks e trilhas, em ranchos de lazer que não explorem atividade turística, ficam isentos de licenciamento. Por fim, Sideni manda abraço. O juiz responde: “BIz, Des. Vou verificar certinho. Abraço!”.
Conforme a PF, Sideni aparenta tentar influenciar nas decisões de juízes de primeira instância, o que pode configurar o uso do cargo para benefício pessoal.
“Resolveu causar dano ambiental no Rio Formoso”
O processo em questão foi protocolado em 27 de agosto de 2024. Segundo a ação, em 1º de julho de 2022 foi aberto inquérito civil para apurar a supressão de vegetação em área de preservação permanente, para a construção de decks e passarelas irregulares às margens do Rio Formoso, mais precisamente na propriedade conhecida como Rancho Cristalino.
Localizado a 9 km da área urbana, a propriedade tinha trocado de mãos e, atualmente, estava com um grupo de donos: Iam Participações Ltda, Meop & Phop Holding e Administração Ltda, New Deal Participações Ltda., Dl Arquitetura e Construções Ltda, e Efrain Barcelos Gonçalves. O racho de cinco hectares foi comprada por R$ 4,2 milhões.
A promotoria destacou que algumas passarelas adentram ao leito do Rio Formoso, desvirtuando a sua função, e constituindo verdadeiras intervenções no recurso hídrico. Além de cabanas e pergolados. Foi aplicada multa de R$ 10 mil.
“Tal fato, além de contrárias às legislações ambientais, demonstra uma atitude reprovável dos requeridos, já que, para melhorar as condições de lazer de sua propriedade, resolveu causar um dano ambiental no Rio Formoso, e colocar em risco a principal fonte de renda do município de Bonito/MS, qual seja, o turismo ecológico”, afirmou, em tom enfático, o promotor Alexandre Estuqui Junior.
E prossegue: “Por outro lado, necessário deixar bem claro que as obras realizadas pelo requerido às margens do Rio Formoso estão em contrariedade com a legislação ambiental. Isso porque, na época que foram construídas, as estruturas realizadas pelo requerido às margens do Rio Formoso dependem de licenciamento ambiental”.
Ainda foi citada a realização de roçadas periódicas (bosqueamento) na área de preservação permanente para aproveitamento da estrutura, o que também é vedado.
O MPE fez sete pedidos ao Poder Judiciário, incluindo a proibição de utilizar os decks, passarelas e pontes, de locar o espaço para eventos e informar sobre a ação no registro imobiliário do rancho.
A decisão do juiz veio em 10 de setembro. Atuando em substituição legal, Milton Zanutto Junior concedeu liminar somente proibindo novas obras.
“Ante o exposto, com fulcro nos artigos 297, 300 e 301 do Código de Processo Civil, defiro parcialmente a tutela provisória de urgência pleiteada apenas para determinar que a parte requerida se abstenha de realizar novas obras, ampliações ou intervenções ambientais danosas na propriedade rural em referência, sob pena de multa diária que arbitro de R$ 1.000,00 (um mil reais) a contar da intimação, limitada a incidência da multa em 60 (sessenta) dias-multa. Ficam autorizadas as intervenções para mera manutenção daquilo que, por ora, já está posto, inclusive, caso necessário, o bosqueamento. Com base no princípio do poluidor-pagador, inverto o ônus da prova desde logo”.
Na sequência, todos os donos apresentaram suas manifestações. Documentos anexados ao processo mostra que a Meop & Phop Holding e Administração Ltda é resultado da fusão de duas empresas: Texas Investimentos e Participações Ltda, tendo Rodrigo Pimentel como sócio administrador, e a Shorp S/A. A holding tem sede em São Paulo, capital social de R$ 6,8 milhões e é dona de uma fração de 28,58% do rancho.
Em janeiro, o promotor se manifestou pelo prosseguimento da ação por dano ambiental. “A requerida fundamenta sua defesa no exercício regular de direito, alegando que as construções realizadas nas APPs estariam em conformidade com a legislação aplicável. Todavia, tal alegação não encontra respaldo na realidade dos fatos ou no ordenamento jurídico”.
Para o MPE, fica evidente que a construção de estruturas como decks e passarelas, sem a devida autorização ambiental, caracteriza abuso de direito, ultrapassando os limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
Escala no Tribunal de Justiça
Também neste ano, a New Deal Participações Ltda., Dl Arquitetura e Construções Ltda. e Efraín Barcelos Gonçalves recorreram ao Tribunal de Justiça. O objetivo era derrubar a inversão do ônus da prova determinada pelo juiz.
Os proprietários alegaram que o Ministério Público, ao contar com aparato técnico-jurídico e laudo ambiental produzido por analista do próprio órgão, tem plena capacidade de produzir a prova dos fatos alegados, não se justificando a medida excepcional da inversão.
Porém, o pedido foi negado por unanimidade pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. A ação civil pública por dano ambiental está desde 12 de fevereiro pronta para sentença na 2ª Vara de Bonito.