“Pivô” do escândalo da venda de sentenças, o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha foi sócio no escritório de advocacia do desembargador Sérgio Fernandes Martins, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Apesar da “quebra de confiança”, que o levou a deixar a sociedade, ele recebeu empréstimo de R$ 6 milhões de outro ex-sócio, o advogado André Puccinelli Júnior.
A sociedade e o empréstimo foram citados no interrogatório de Martins pelo delegado Marcos Damato. Detalhes do depoimento constam do relatório da Polícia Federal encaminhado ao ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, para destacar que há indícios para a denúncia contra sete desembargadores do TJMS por corrupção e venda de sentença.
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Ao contrário da maior dos investigados, Sérgio Martins não ficou em silêncio e optou por responder a todas as perguntas do delegado. Ele confirmou que foi sócio no escritório de advocacia entre 2003 e 2006 de Cunha e de Puccinelli Júnior. Ele trabalhou desde que deixou o cargo de procurador geral do Município de Campo Grande até virar desembargador em novembro de 2007.
Félix Jayme é citado pela PF em várias negociações de sentença entre advogados e desembargadores. Ele foi alvo da Operação Lama Asfáltica, quando a PF mirou os desvios no Governo do Estado na gestão de André Puccinellli, e nas operações de combate à corrupção no Tribunal de Contas do Estado.
A sociedade, a quebra de confiança e R$ 6 milhões
Martins contou que conhece Félix Jayme desde quando ele era estudante de Direito na FUCMT (Faculdades Unidas Católicas do Mato Grosso), que acabou virando UCDB. “Amizade. Eu tinha a relação profissional, de sócio de escritório, evidentemente”, afirmou o desembargador em depoimento à PF.
“No final de 2006 houve uma quebra de confiança com relação ao sócio, ao advogado Félix, e os demais advogados que permaneceram. É se reuniram com ele e acharam por bem que ele deveria sair da sociedade. E aí acho que em outubro ou novembro de 2006 ele se retirou da sociedade, motivo pelo qual não continuou mais”, relatou, sobre o rompimento com o advogado.
“Eu continuei até ser desembargador em 2007, novembro de 2007, e em função dessa quebra de confiança, ele estava advogando, em alguns casos que nós não tínhamos conhecimento. E os sócios entenderam que não era correto, ele não dar conhecimento aos demais sócios das causas que ele estava tocando. Então, de modo que quebrou confiança nossa, e resolveu por bem, né? Nada obstante, numa reunião, resolveu por bem se retirar da sociedade”, detalhou sobre o rompimento.
A Polícia Federal questionou a “quebra de confiança” entre os sócios. Isso porque em 2015, André Puccinelli Júnior emprestou R$ 6 milhões sem exigir garantias para Félix Jayme Nunes da Cunha. A quebra do sigilo bancário na Operação Lama Asfáltica mostrou o repasse do filho do ex-governador para o advogado no valor de R$ 5.950.000,00.
Em maio de 2017, quando prestou depoimento à PF, Puccinelli Júnior disse que não exigiu garantias e o dinheiro foi repassado para o advogado realizar negócios rurais. Dois anos depois, ele ainda não tinha quitado o empréstimo na “faixa”, como definiu a PF.
O julgamento e o leilão do 3×2
Sérgio Martins foi o relator do polêmico julgamento da 1ª Câmara Cível, no qual Félix Jayme Nunes da Cunha acertou o placar: 3 a 2. Na conversa com Danillo Moya Jeronymo, sobrinho do conselheiro Osmar Domingues Jeronymo, o advogado se gaba por antecipar o placar do julgamento, que foi uma reviravolta a partir do voto divergente de Martins.
“Estou mostrando a página 50 do Ofício n. 70/2024, que é a representação que resultou na operação. Isso aqui é no do celular do Danillo Jeronymo, que é sobrinho do conselheiro Osmar Jerônymo. Uma conversa de WhatsApp entre o Félix Jayme que a gente está falando aqui, na audiência, e o Danilo Jerônymo. Então o Félix diz ‘to ticado’ no julgamento das 14:00 de hoje. Sai, sai agirá do TJ. Vou faturar por 3×2. Que maravilha. PQP. Leilão danado cada um quer mais que o outro. O senhor sabe dizer do que que eles estão falando aqui?”. Descrevei.
“Vou reproduzir esse áudio que está aqui, vou reproduzir ele agora. Áudio do ofício: “O Solito, eu vou sacar hoje, tá? É que eu tava completando um pagamento daquele que foi terça, cara. Ganhei por 3×2 lá. Bolachinha, Marcão e Divoncir. Oh, coisa boa, hein, Solito! Aí, o seu ranco hoje. Ontem eu terminei de pagar os caras lá está bom, um abraço”, informou o delegado.
Para a PF, Bolachinha era Sérgio Martins, Marcão era o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues e Divoncir (Schreiner Maran). “Ele fala que ele ganhou por 3 a 2, Bolachinha, Marcão e Divoncir. O senhor sabe dizer quando ele diz bolachinha, ele está se referindo ao senhor?”, questionou Damato. Martins responde que não sabia.
O desembargador negou que tenha agido a partir da orientação do ex-sócio, mas porque estava convencido da sua decisão que acabou sendo favorável a Félix Jayme Nunes da Cunha. Ao longo do interrogatório, o delegado repetiu a pergunta três vezes e o desembargador manteve a mesma resposta.
O advogado optou por ficar em silêncio no interrogatório da PF.
Sérgio Martins foi afastado na Operação Ultima Ratio, mas acabou voltando ao cargo por determinação de Zanin ainda no ano passado.