A prisão do caminhoneiro Renato Gama de Jesus, 47 anos, com 545,5 quilos de cocaína causou polêmica na Justiça. Apesar da apreensão da droga, avaliada em R$ 34 milhões e ser uma das maiores já realizadas, o juiz Maurício Cleber Migliorangi Santos, da 3ª Região de Corumbá, liberou o morador do interior de São Paulo, sob a alegação de que não tinha antecedentes.
O juiz Alexandre Corrêa Leite, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, teve outro entendimento e apontou a “sofisticação logística” da organização criminosa e voltou a decretar a prisão preventiva do caminhoneiro. Só que ele foi solto no dia 12 de maio deste ano e teve 21 dias para deixar Mato Grosso do Sul.
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O caso remete a outra decisão polêmica em abril de 2020, quando o desembargador Divoncir Schreiner Maran, do TJMS, acatou pedido da defesa e concedeu habeas corpus ao megatraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão. Apontado como chefe do PCC, ele aproveitou a “saidinha”, rompeu a tornozeleira e fugiu. Até hoje, a PF não o encontrou para reconduzi-lo ao presídio.
A prisão
Renato Gama de Jesus transportava 292,3 quilos de cloridato de cocaína, 253,2 kg de pasta base e 2,6 kg de maconha em uma carga de minério. Ele contou que ganharia R$ 10 mil para levar a droga, escondida numa carga de minério, de Corumbá até o interior de São Paulo.
A quantidade de droga apreendida deve entrar no ranking das maiores apreensões realizadas pela Polícia Rodoviária Federal. No entanto, o magistrado corumbaense não considerou grave o episódio.
“Nesse contexto, certo é que unicamente a gravidade da conduta, em tese, praticada, não se caracteriza como bastante à manutenção da segregação cautelar, exigindo-se a existência de elementos concretos a supedanearem a necessidade da prisão”, pontuou o juiz Maurício Santos.
“Vale dizer: o Estado Democrático de Direito, pautado no princípio da dignidade da pessoa humana, nos princípios do contraditório e da ampla defesa e, em especial, no princípio da não-culpabilidade, não se coaduna com a segregação cautelar tarifada, sendo que esta (como toda a medida de cunho cautelar) deve apresentar caráter instrumental e não penalizador”, pontuou.
Organização criminosa sofisticada
Renato Gama foi solto no dia 12 de maio deste ano. No mesmo dia, a promotora Gabriel Rabelo Vasconcelos ingressou com recurso no TJMS contra a soltura do caminhoneiro. EM despacho publicado nesta segunda-feira (2), o juiz Alexandre Corrêa Leite revogou a liminar e determinou a prisão do caminhoneiro.
“Importante consignar que o fumus boni iuris revela-se plenamente configurado no caso em exame. O ordenamento jurídico-penal nacional, especialmente por meio da Lei n. 11.343/06, trata com rigor o tráfico ilícito de entorpecentes, reconhecendo-o como crime de alta lesividade social, cuja repressão deve ser efetiva, particularmente quando a quantidade e a diversidade das drogas apreendidas revelam o grau de inserção do agente em cadeias logísticas estruturadas do narcotráfico”, alertou Leite.
“No caso vertente, a apreensão de mais de meia tonelada de substâncias entorpecentes, transportadas entre unidades da Federação, denota, a princípio, não um ato isolado ou casual, mas sim a inserção do agente em esquema sofisticado de tráfico interestadual, com estrutura logística, planejamento e potencial de abastecimento do mercado ilícito em grandes centros urbanos. A confissão do autuado, afirmando que receberia valor específico pela empreitada (R$ 10.000,00 – dez mil reais) – f. 24-25, reforça sua vinculação dolosa ao crime”, ressaltou o magistrado.
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao reconhecer que a elevada quantidade de drogas, por si só, evidencia a periculosidade concreta do agente, autorizando a segregação cautelar para garantia da ordem pública. A liberdade de um agente que se comprometeu a cruzar o país com carga criminosa dessa magnitude compromete a credibilidade do sistema de persecução penal e fragiliza o sentimento de segurança da coletividade”, ponderou.
“Assim, a elevada quantidade de entorpecentes apreendidos em poder do investigado, aliada a indícios razoáveis de que a empreitada delitiva só poderia ter sido orquestrada e realizada no contexto de uma organização criminosa, constitui, segundo entendimento pacífico da jurisprudência pátria, indicador objetivo e idôneo da periculosidade concreta do agente, autorizando a decretação ou restauração da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública”, ressaltou o juiz.
“Aliás, o Tribunal da Cidadania tem reconhecido que mesmo apreensões relativamente modestas – entre 8kg e 111kg de entorpecentes – são suficientes para caracterizar a necessidade da custódia preventiva, consoante julgados colacionados”, frisou, destacando que a quantidade é cinco vezes superior.
“Com maior razão, pois, a referida orientação jurisprudêncial há de ser aplicada ao caso em tela, no qual o autuado foi flagrado transportando nada menos que548,1 kg (quinhentos e quarenta e oito quilos e cem gramas) de entorpecentes, distribuídos entre maconha, cocaína e pasta-base, substâncias com alto poder de difusão e grave impacto na saúde pública. Apenas a cocaína e a pasta-base – drogas de elevado valor no mercado ilícito e com grau máximo de nocividade – somam, juntas, mais de 545 kg, o que torna a presente hipótese exponencialmente mais grave do que os paradigmas julgadas pela Corte Superior”, esclareceu o magistrado.
“A magnitude da carga, camuflada sob carga lícita de minério, indica, ademais, sofisticação logística e inserção do agente em rede criminosa estruturada, o que não apenas reforça a periculosidade individual, mas também aponta para a necessidade de desarticulação imediata da atuação delitiva por meio da custódia cautelar”, afirmou.
“Em conclusão, é imperativo reconhecer que a quantidade e a qualidade da droga apreendida no caso concreto excedem qualquer parâmetro usual de gravidade, tornando-se, por sua desproporcionalidade e capacidade de circulação, marco evidente da periculosidade do agente e da necessidade de segregação preventiva imediata”, determinou.
“A prisão cautelar, nesse cenário, revela-se instrumento necessário de contenção da difusão do crime organizado, do qual o tráfico de drogas é expressão paradigmática. A ordem pública, enquanto bem jurídico difuso, compreende o sossego e a segurança coletivos, que se veem severamente abalados diante da impunidade perceptível pela sociedade, sobretudo quando se trata da soltura de agentes que operam com cargas expressivas e rotas interestaduais”, destacou o Alexandre Corrêa Leite.
“Ademais, cumpre registrar que o tráfico de drogas compromete não apenas a saúde pública, mas também infiltra-se nas estruturas de poder local, fomentando a corrupção, a violência e a deterioração dos vínculos comunitários. A adoção de uma postura leniente quanto à segregação cautelar de seus operadores contribui para o descrédito da jurisdição penal e para a fragilização das políticas públicas de segurança”, concluiu.
A questão é saber se a polícia vai encontrar o motorista após a reversão da decisão judicial.