A CPI do Consórcio Guaicurus na Câmara Municipal de Campo Grande teve sua sessão mais tensa nesta segunda-feira (16) com o depoimento do ex-diretor-presidente João Resende, 65 anos, que comandou o grupo de empresas do transporte coletivo entre 2012 e janeiro de 2025. Ouvido na condição de investigado, o dirigente foi para o embate com os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito e chegou a se negar a responder perguntas.
Antes mesmo dos questionamentos, Resende foi para o ataque ao colocar em dúvida se os vereadores leram as cerca de 7,7 mil páginas do contrato de concessão do transporte público. “Vocês estão investigando algo que vocês não conhecem. Eu não vim aqui para servir de palhaço”, declarou. O presidente da CPI, vereador Dr. Lívio Leite (PSDB), afirmou que leu o contrato e tentou acalmar os ânimos. “Eu gostaria que o senhor não começasse com esse tom”, pediu.
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João Resende, em seu depoimento, destacou que os problemas do transporte público só serão resolvidos quando houver o reequilíbrio econômico do contrato com a Prefeitura de Campo Grande e condicionou a isso a entrega de novos ônibus para renovação da frota na Capital.
“Estamos pedindo socorro já há muito tempo. A prefeitura mente para a Justiça que cumpre [o contrato]”, disparou. Resende também afirmou que o diretor-presidente da Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados), José Mário Antunes, mentiu “descaradamente” em suas oitivas sobre não ter recebido dados financeiros solicitados.
“Quem falou isso mentiu. O senhor José Mário Antunes mentiu descaradamente aqui. Quem afirma que o consórcio não entrega os dados aos órgãos gestores está mentindo descaradamente”, atacou.
Ex-acionista com 2% de participação, João Resende reafirmou que as empresas do Consórcio Guaicurus mantêm 97 ônibus acima da idade estabelecida no contrato de concessão, porém, a renovação da frota só vai ocorrer quando houver o reequilíbrio financeiro e a prefeitura cumprir sua parte.
“O contrato foi feito com base em um projeto da prefeitura junto ao PAC da Mobilidade. A administração se comprometeu com obras e investimentos que nunca saíram do papel. E o mais grave, essa CPI não faz uma pergunta sequer sobre isso”, disse.
De acordo com o ex-presidente do Consórcio, o contrato previa a construção de 58 km de corredores exclusivos para ônibus, quatro novos terminais e a reforma do Terminal Morenão, com financiamento de R$ 120 milhões da Caixa Econômica Federal. No entanto, até hoje apenas 6 km de faixas exclusivas foram colocadas em prática.
O clima seguiu quente até desandar de vez quando a relatora da CPI, vereadora Ana Portela (PL), informou que o Consórcio recebeu R$ 89 milhões em subsídios da prefeitura e teve lucro entre 2012 e 2019, mas não houve investimentos. João Resende, então, se negou a responder mais perguntas. Entretanto, mudou de ideia quando Junior Coringa (MDB) passou a fazer seus questionamentos.
Apesar de ter sido substituído na presidência do Consórcio em janeiro deste ano, João Resende ainda faz parte da diretoria do grupo composto pelas empresas Cidade Morena, Campo Grande, Jaguar e São Francisco.
O dirigente declarou que o desequilíbrio financeiro do contrato “coloca o Consórcio em uma situação caótica”. “Nós estamos à beira do caos”, proclamou sobre o transporte em Campo Grande. “Nós nunca atrasamos [pagamento a] fornecedor. Estamos tendo o dissabor, o desgaste moral, de atrasar fornecedor”, relatou. E mais uma vez disse não ser possível comprar novos ônibus.
“A frota velha não é novidade. Crédito nós temos, mas não temos condição de pagar prestação de ônibus. Nós não vamos comprar ônibus enquanto não tivermos condições financeiras de fazermos”, informou.
Questionado sobre o motivo de o Consórcio não rescindir o contrato de concessão, Resende respondeu que espera que a prefeitura da Capital cumpra o contrato e faça o reequilíbrio financeiro. Além disso, o grupo foi à Justiça com ação de produção antecipada de provas, na qual perícia apontou prejuízo de R$ 377 milhões às empresas de transporte.
“Estamos esperançosos de que a prefeitura vai honrar o contrato. Nós estamos honrando. Temos investimentos pesados, compromissos pesados”, disse Resende, que depois de toda tensão e do embate, chorou ao final de seu depoimento.
Segundo depoimento
A segunda oitiva do dia foi do diretor jurídico-administrativo do Consórcio, Leonardo Dias Marcello, que atua na função há um ano e dois meses. Ele seguiu na mesma linha do ex-presidente do grupo, reforçando que os investimentos no sistema foram paralisados devido à ausência de revisão contratual por parte da Prefeitura de Campo Grande.
“O que a gente mais quer é uma tarifa que remunere o Consórcio nas premissas que foram postas na licitação pra gente poder voltar a fazer os investimentos que são necessários. Se o município quiser que a gente faça investimento em frota com ar-condicionado, que a gente assuma terminal, nós estamos dispostos. Só que, pra isso acontecer, a gente precisa avaliar a situação do lado empresarial. A gente não pode estar investindo recursos em um sistema que não te remunera adequadamente. E quem tem obrigação de garantir isso é o Poder concedente”, disse Leonardo.
No início dos trabalhos desta segunda-feira foi apresentado novo balanço das oitivas da CPI. Até o momento foram catalogadas 616 denúncias, demonstrando o alto nível de engajamento da população com os trabalhos da CPI e sua preocupação com a qualidade do transporte coletivo da Capital.