Em formato de audiência, a sessão da CPI do Consórcio Guaicurus na Câmara de Vereadores desta quarta-feira (25) foi dedicada a ouvir os usuários do transporte coletivo de Campo Grande. Além das já esperadas queixas sobre superlotação, atrasos, ônibus velhos e mal conservados, chamou a atenção declarações sobre a perda de dignidade de quem depende do transporte público, sentimento de humilhação e o clamor para que a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito não termine em pizza.
Relatos de “ônibus fantasmas” reforçaram uma situação que também entrou no radar da CPI, que são os veículos que deveriam passar em pontos dos bairros, constarem no sistema, mas não aparecem para fazer o transporte do cidadão. Ao todo, foram ouvidas 40 pessoas, sendo 22 no plenário do Legislativo e outras 18 em link pela internet direto da Praça Ary Coelho, no Centro da Capital.
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O depoimento de três pessoas que usam cadeira de rodas abriu a enxurrada de reclamações, que teve início pouco antes das 13h30 e foi até o início da noite. O cadeirante identificado apenas como Paulo disse que, somente na semana passada, foi deixado pelo ônibus esperando no ponto porque o elevador não estava funcionando, e perdeu as contas de quantas vezes caiu enquanto embarcava.
Já uma idosa chamada Cleonides lembra que caiu duas vezes da plataforma, mas não ficou ferida, e que é comum não poder embarcar porque o elevador do veículo não funciona.
“O motorista diz: ‘Não está funcionando, espera o próximo’. Tem vezes que o próximo também não funciona. Então isso para nós é uma chateação porque a gente depende disso aí. Nós precisávamos de melhoria,principalmente a manutenção. Se tivesse manutenção, não acontecia o que está acontecendo. A gente trabalha, somos iguais a uma pessoa normal, temos hora para tudo”, relatou.
Presidente do Instituto de Apoio ao Deficiente de MS, Flávio Soares da Silva contou ter dificuldade com a campainha para solicitar a parada e descer no ponto seguinte, devido ao botão não funcionar, e não ser possível embarcar quando o ônibus está lotado. Também relatou problemas nos elevadores.
“Aconteceu comigo semana passada, assim que eu subi no ônibus a rampa elevatória desceu de vez. Imagina se tivesse acontecido alguma coisa, fraturado minha coluna, passado mal e morrido. Sem contar que é um atendimento péssimo do transporte público. É tudo na gambiarra. A gente vem sofrendo isso há muito tempo”, contou.
O que fica implícito nos relatos, foi escancarado pela cuidadora Andreia Maria Silva Lopes, moradora do Jardim Los Angeles. “Se você quiser perder o pouquinho de dignidade que você tem, ande no transporte público de Campo Grande. Porque o pouquinho de dignidade que a gente tem a gente perde”, disparou. Ela revelou que deixou de ir ao trabalho para prestar depoimento aos vereadores.
Usuária da linha 116 (Los Angeles/Centro – via Terminal Guaicurus), Andreia diz que muitas vezes o ônibus simplesmente não passa, é deixada para trás quando o veículo está lotado, e acredita que os amortecedores dos mesmos já não funcionam mais e disse que só na última semana o ônibus quebrou três vezes. “Até pensei em pedir música para o Fantástico”, ironizou.
A cuidadora foi a primeira a contar o caso de “ônibus fantasmas”, pois tem o hábito de acompanhar a viagem por meio de aplicativo. “Ele aparece no aplicativo e nunca passa. Já liguei no Consórcio Guaicurus. A moça falou que não sabe o que aconteceu, que está acompanhando pelo sistema, vai anotar a reclamação, mas ela não retorna. Eu sou chata, cobro mesmo”.
Andreia finalizou seu depoimento clamando para a CPI produza resultado e traga melhorias para a população.
“É um absurdo o que a gente passa. Espero que vocês deem ouvidos ao anseio da população, porque tem muita gente que não veio porque tá trabalhando. Eu larguei o meu serviço e vim aqui. Espero de coração que vocês olhem com muito carinho para nós usuários que precisamos de um transporte público de qualidade, não esse que tá aí, é horrível”, pediu aos vereadores.
A servidora estadual Ana Lúcia Mendonça, moradora do Jardim Talismã, deu um puxão de orelha nos vereadores. “Ninguém está mais confiando nesta Casa”, disparou. “É humilhante andar de ônibus em Campo Grande hoje em dia. O transporte está um lixo. Por favor, não acabe em pizza”, reforçou o clamor.
Ana Lúcia criticou os banheiros dos terminais “cheiram a mijo, a cocô”. Sobre as lotações disse se recusar a “entrar no ônibus com alguém me encoxando”. Informou haver poucos horários de ônibus no fim de semana, que a impede de chegar ao trabalho. E já pegou ônibus saindo fumaça. “Eu falei com o motorista, nós vamos chegar? Ele falou, ‘vamo na fé’”.
A relatora, vereadora Ana Portela (PL), fez questão de responder ao pedido. “Essa CPI não vai terminar em pizza”. O presidente da sessão, Junior Coringa (MDB), criticou as antecipações ao relatório final de que o trabalho da comissão não terá resultado.
“Tem pessoas que estão antecipando o relatório. Não caia em fake news. O relatório não está pronto, está sendo confeccionado”, disse. O presidente da Casa, Epaminondas Vicente Neto, o Papy (PSDB), declarou que, no mínimo, novos ônibus serão comprados pelo município.
Os relatos de usuários prosseguiram. Ailton José Xavier reclamou dos “ônibus lotados demais no horário de pico. Os alunos das escolas não deixam os idosos sentarem. O calor sufocante porque não tem ar-condicionado. Aquele aperto total”.
Sônia das Graças Rodrigues, 68 anos, moradora de Anhanduí, também falou que o “ônibus além de estar muito cheio, não tem lugar para as pessoas sentar. Muitas vezes o pessoal novo senta e não deixa o lugar para as pessoas mais de idade, que têm problema na perna como no meu caso. A gente às vezes tem compromisso aqui em Campo Grande e não pode chegar no compromisso porque não tem ônibus”.
Cecília Maria da Silva, moradora do Aero Rancho, disse que durante a semana enfrenta ônibus lotados, “muito demorados”, e que no domingo, quando sai da igreja, já chegou no terminal e não tinha motorista na linha que iria pegar. “A gente tem que pegar outro ônibus que fica mais longe da casa da gente. Ônibus tá velho. A gente até vê ônibus novo, mas parece que não chegaram no Aero Rancho ainda”.
E assim prosseguiu o resto da tarde, reclamações sobre demora, atrasos, superlotação, ônibus imundo, poucos ônibus, ônibus quebrado, ar-condicionado que não funcionava e as janelas fechadas fez as pessoas passarem mal, fumaça saindo da roda, linhas fantasmas, “é desumano o que a gente passa”.
Pedidos de mais assentos para os idosos, ar-condicionado, mais ônibus nas linhas, sem atrasos, segurança e melhores condições nos pontos de ônibus, ônibus novos, melhorias nos banheiros dos terminais, manutenção preventiva dos veículos. E nenhum elogio ou satisfação com o serviço prestado pelo Consórcio Guaicurus.