A falta de vagas estacionamento, agravada com a não retomada do parquímetro, as vendas online e transporte público péssimo ofuscaram o Reviva Centro, projeto milionário de US$ 56 milhões – R$ 306 milhões na cotação de ontem – e não impediram esvaziamento ainda maior da região central. Nos últimos sete anos, 2,5 mil empresas fecharam as portas apenas no quadrilátero formada pelas ruas Rui Barbosa, 26 de Agosto, Calógeras e Mato Grosso.
“É muito triste”, lamenta o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas, Adelaido Vila, responsável pelo levantamento inédito. A crise se aprofundou com a pandemia. A Rua 14 de Julho, tida como coração do comércio por décadas, é a cara da crise, com imóveis fechados ou lojas de utilidades, farmácias e capinhas substituindo as tradicionais de roupas, sapatos e móveis.
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Fundada há 12 anos, a Mega, loja de utilidades na Rua 13 de Maio, vai fechar as portas no próximo mês. Desde o início da semana, o estabelecimento colocou 7 mil itens em liquidação, com 50% de desconto. Em entrevista ao Midiamax, a proprietária apontou como fatores a queda no movimento e o encarecimento do aluguel. O valor da locação não compensa manter a loja aberta.
A CDL realizou levantamento inédito e fez a estatística da crise. Entre 2018 e 2025, o número de empresas do comércio e de serviços no Centro teve redução de 75%, de 3.412 para, pasmem, apenas 826. Houve o fechamento de 2.586 empresas nos últimos sete anos.
A maior perda foi no comércio, com redução de 80% no período, de 1.971 para 394 lojas. O setor de serviços teve redução de 69,9%, de 1.439 para 432. Já a indústria sumiu, passando de duas fábricas para nenhuma atualmente.
Sobrevivente resiste a crise
Para o gerente da Mega Jeans, Marcos Esteves, a pandemia agravou a crise no varejo no Centro. Nem a obra de revitalização, que teve investimento milionário e foi inaugurada ainda na gestão de Marquinhos Trad (PDT), impediu a bancarrota. Atuando na região há 29 anos, ele estima que houve redução de 25% no movimento.
Adelaido Vila estima que a queda foi maior. Além do público, o comércio do Centro contabiliza queda de 70% no valor médio gasto pelos consumidores, de R$ 162, em 2018, para R$ 48 neste ano. Parte da redução é pela troca das lojas de roupas e sapatos por estabelecimentos que comercializam utilidades, capas de celular e produtos mais baratos.
Com a revitalização, a prefeitura fechou 800 vagas de estacionamento no Centro. Além disso, de acordo com Esteves, sem o parquímetro, suspenso desde 2022, as poucas vagas disponíveis são ocupadas por funcionários das lojas, que deixam os veículos estacionados durante todo o expediente.
Marcos Esteves ainda aponta a falta de segurança na região. Com o fechamento da Estação Rodoviária e a ofensiva da PM e Guarda Municipal no Bairro Amambai, os moradores de rua passaram a “frequentar” a 14 de Julho.
O presidente da CDL afirma que a falta de segurança é a principal queixa dos comerciantes. Com a falta de policiamento da PM e sem a presença da Guarda Municipal, traficantes passaram a atuar no Centro e atrair os usuários. Além da crise nas vendas, comerciantes passaram a ter prejuízos com arrombamentos e pequenos furtos.
Outros fatores
A CDL lista ainda outros fatores para o esvaziamento do Centro, como o fechamento da antiga Estação Rodoviária, que era um grande ponto de circulação de passageiros. A Lei da Cidade Limpa, criada na gestão de Nelsinho Trad (PSD), eliminou as fachadas tradicionais na Rua 14 de Julho.
“Obras prolongadas do Reviva Centro, com impacto direto na mobilidade e faturamento do comércio “, lamentou Vila. Sem estacionamento, o consumidor também não pode contar com o transporte público, deficiente, com baixa cobertura e sem confiabilidade.
Outro problema é o avanço do e-commerce, que passou a representar 16% do consumo nacional. O consumidor pode receber em casa produtos sem o transtorno de se deslocar, pagar caro pelo estacionamento ou enfrentar um ônibus lotado.
“Houve mudança na jornada do consumidor, que agora valoriza experiências práticas, ágeis e próximas de casa”, acredita o presidente da CDl, sobre o crescimento do comércio nos bairros. Ele cita ainda a digitalização bancária, com a migração total dos serviços para aplicativos.
Apelo dramático
Apesar da prefeita Adriane Lopes (PP) não cumprir a promessa de revitalizar o Centro, o presidente da CDL faz um apelo. “É hora de olhar para o centro de Campo Grande não como um retrato do passado, mas como uma possibilidade de reconstrução econômica e social concreta”, pede.
“A CDL Campo Grande solicita, com respeito e firmeza, que o poder público municipal priorize políticas de escuta ativa, investimento planejado e ação efetiva para recuperar a dignidade urbana da região central”, clama.
“É imprescindível que se reconheça que ali vivem e sobrevivem trabalhadores, comerciantes, ambulantes, prestadores de serviço e famílias inteiras, que dependem diariamente da atividade econômica local. O centro não pode mais esperar”, implora.