O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa voltou a recorrer ao Conselho Nacional de Justiça por insatisfação com a gestão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Desta vez, o magistrado, que acumula a gestão da 1ª e 2ª Varas de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, denuncia ter sofrido boicote em processo de promoção por merecimento e “jogo de cartas marcadas” no julgamento do TJMS.
Corrêa instaurou um Pedido de Providências no CNJ em que solicita a anulação do processo seletivo destinado ao preenchimento de vaga de desembargador do TJMS. O juiz alega ter havido ilegalidades na escolha, sustentando que foram desrespeitados os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Aponta existência de suspeição de desembargadores, ausência de cinco notas em sua avaliação, e que o resultado decorreu de apadrinhamento e de acordo prévio entre os julgadores para escolha do novo integrante do tribunal.
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Para mostrar que o TJMS “passa por um dos períodos mais turbulentos de sua história”, o juiz responsável por julgar casos de improbidade administrativa cita a Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal em outubro de 2024. A investigação levou ao afastamento de cinco desembargadores, entre eles o então presidente, Sérgio Fernandes Martins, o presidente eleito, Sideni Soncini Pimentel, o vice-presidente eleito, Vladimir Abreu da Silva, além do ouvidor judiciário, Marco José de Brito Rodrigues, e o presidente do Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais, Alexandre Aguiar Bastos.
Ariovaldo Nantes Corrêa cita ainda o afastamento dos desembargadores Tânia Garcia de Freitas Borges, posteriormente aposentada compulsoriamente, e Divoncir Schreiner Maran, atualmente aposentado.
“De oito a dez desembargadores de um total de 36 com suspeita de desvio de conduta ou irregularidades representam quase 1/3 de seus membros, o que é algo extremamente preocupante”, relata Corrêa.
“O grupo a que pertenciam ou pertencem os desembargadores envolvidos em suspeita de desvio de conduta é o dominante no TJ/MS e define, como se verá a seguir, a promoção por merecimento para o cargo de desembargador, desrespeitando as resoluções que tratam do tema, ainda que formalmente aparente ser um procedimento regular, sendo este o objeto da irresignação neste procedimento”, prossegue o magistrado.
Promoção por merecimento
A petição inicial informa que a votação do dia 23 de abril de 2025 pelo Tribunal Pleno do TJMS, o juiz Alexandre Branco Pucci obteve 29 votos; o juiz Fábio Possik Salamene, 26 votos; o juiz Alexandre Antunes da Silva, 21 votos; o juiz Alexandre Corrêa Leite, 18 votos; Ariovaldo Nantes Corrêa, 4 votos; e a juíza Eliane de Freitas Lima Vicente, 1 voto.
No dia seguinte à votação, Alexandre Branco Pucci foi empossado como desembargador, passando a integrar a magistratura de segundo grau do TJMS.
Ariovaldo Corrêa relata que teve acesso apenas às notas que lhe foram atribuídas pelos desembargadores no dia seguinte à votação, das quais não pode recorrer. “O que não faz sentido algum, mas lhe causa estranheza maior que tenha recebido uma nota 55, duas notas 67 e outras várias notas abaixo de 80, enquanto, ao mesmo tempo, recebeu uma nota 95, uma nota 92, uma nota 91 e uma 90, sendo que outros cinco desembargadores não forneceram a sua nota”, informa.
A média total das notas atribuídas ao responsável pela 1ª e 2ª Varas de Direitos Difusos foi em torno de 70 ou 75, sendo a segunda mais baixa entre os seis candidatos que concorreram.
Suspeição de desembargadores
Ariovaldo Nantes Corrêa afirma existir suspeição dos desembargadores Sérgio Fernandes Martins, Elizabeth Rosa Baisch, Carlos Eduardo Contar e Jairo Roberto de Quadros na atribuição de suas notas, em razão de desentendimentos pessoais que os tornaram “desafetos”.
Os casos mais notáveis e públicos são em relação ao ex-presidente do TJMS e Elizabeth Baisch, devido ao processo relativo à homologação de desmatamento no Parque dos Poderes, em Campo Grande, para a construção do novo Palácio da Justiça. Corrêa diz que Sérgio Martins teria ficado contrariado pelo não reconhecimento do acordo pelo titular da 1ª Vara de Direitos Difusos.
“A nota 55 aplicada pelo des. Sérgio Fernandes Martins ao requerente bem demonstra a sua condição evidente de desafeto”, argumenta Corrêa, que ingressou com um pedido de providências junto ao Conselho Nacional de Justiça contra o desembargador alegando a sua interferência no processo de homologação.
Já Elizabeth Rosa Baich foi quem, ao substituir Corrêa nas férias, proferiu a sentença homologatória do mencionado acordo, mesmo sem o processo estar concluso para sentença e ainda havia o planejamento de novas diligências. Isso também motivou um pedido de providências contra a magistrada no CNJ.
“A des.ª Elizabeth Rosa Baich sequer disponibilizou a nota ao requerente, o que demonstra o seu desapreço por ele”, aponta Corrêa.
Carlos Eduardo Contar é citado como “desafeto” porque em sua gestão como presidente do TJMS foram elaborados o projeto, cercada a área e lançada a pedra fundamental do novo Palácio da Justiça com gastos em torno de R$ 4 milhões.
Falta de notas e papeletas
O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa diz que o único documento que recebeu do Conselho Superior da Magistratura do TJMS foi aquele em que constam as notas atribuídas aos candidatos, sem as avaliações dos desembargadores João Maria Lós, Dorival Renato Pavan, Geraldo de Almeida Santiago, Lúcio Raimundo Silveira e Elisabeth Rosa Baisch.
“O requerente não sabe o motivo da ausência das notas, mas não se mostra razoável que não tenha conhecimento das notas que lhe foram aplicadas por quem o avaliou, o que desatende o que determina as resoluções do CNJ e do próprio TJ/MS, sobretudo no tocante à transparência, à publicidade e à fundamentação”, afirma Corrêa.
O magistrado alega que os candidatos deveriam ter acesso às papeletas de cada julgador a fim de que pudessem verificar a pontuação dada a cada um dos itens avaliados e eventual justificativa, o que garantiria a transparência e a idoneidade do procedimento, o que não foi observado.
Mérito
Entre as competências para rebater as notas baixas, Ariovaldo Corrêa informa que concluiu um mestrado em Direitos Humanos na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), foi juiz eleitoral da 36ª Zona Eleitoral de Campo Grande, conduzindo o processo eleitoral na Capital por ser o mais antigo.
O magistrado relata que reduziu “significativamente o acervo de processos”, sendo que chegou a ter mais de 5.400 ações e atualmente está com aproximadamente 500 em andamento, além de haver cumprido as metas do CNJ e recebido da Corregedoria-Geral de Justiça os selos Jurisdição Eficiente Prata/2022, Ouro/2023 e Diamante 2024 por sua atuação como juiz titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
Corrêa cita a “complexidade” dos processo pelos quais é responsável pelo julgamento e usa como exemplo a sentença histórica de 415 páginas em que condenou 11 pessoas, entre empresários poderosíssimos, um vereador, cinco ex-vereadores, dono de um jornal, um ex-prefeito e um procurador aposentado da Câmara Municipal por improbidade administrativa pelo golpe para cassar o mandato de Alcides Bernal (PP), revelado pela Operação Coffee Break.
“No que se refere à produtividade, deve ser levado em conta a vara em que atua em que os processos têm milhares de páginas e a matéria é complexa por envolver, além das ações de improbidade de gestores públicos da comarca de Campo Grande e do estado de Mato Grosso do Sul, temas relacionados a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Para se ter uma ideia, como se disse linhas atrás, recentemente o requerente proferiu uma sentença de 415 páginas em uma ação de improbidade do ano de 2016”, descreve.
“Feitos os necessários esclarecimentos, como alguém que teve uma carreira acima da média em termos de desempenho, produtividade, presteza, aperfeiçoamento técnico e adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional, especialmente nos últimos 2 anos, com desempenho aparentemente melhor ou ao menos igual, inclusive, daqueles contra os quais concorreu, sobretudo levando em conta a complexidade das matérias da Vara em que atua há quase 5 anos, pode terminar com notas 55, 67, 71?”, questiona.
Apadrinhamento político no TJMS
Por fim, Ariovaldo Nantes Corrêa afirma que a eleição de 23 de abril de 2025 “foi um jogo de cartas marcadas”.
“Todos sabem que a eleição para o cargo de desembargador do TJ/MS no critério de merecimento é resultado de um prévio acordo e não de um processo de avaliação criteriosa que deveria observar, como um ato administrativo vinculado, os critérios previamente estabelecidos, subordinada aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal, ainda que haja certa margem de discricionariedade quanto à valoração dos dados objetivos”, acusa.
“O atual presidente fez campanha para o seu candidato, juiz Alexandre Correa Leite, enquanto o juiz Alexandre Antunes da Silva corria atrás dos votos dos dissidentes (ou de quem era dissidente do grupo dominante), sendo que o juízes Alexandre Branco Pucci e Fábio Possik Salamene estavam garantidos pelo fato de terem feito parte da lista tríplice do concurso de promoção anterior”, expõe.
O Pedido de Providências foi ajuizado no último dia 29 de maio. O relator do caso no CNJ, conselheiro Pablo Coutinho Barreto, determinou a intimação do TJMS para que, no prazo de 15 dias, manifeste-se sobre os fatos narrados pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa e apresente a cópia integral do processo de promoção por merecimento alvo do processo. O despacho foi assinado em 15 de junho.
A reportagem entrou em contato com a assessoria do TJMS, na segunda-feira (23), com questionamentos sobre as alegações apresentadas pelo autor do Pedido de Providências, porém, não houve resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para futuras manifestações.