“O Gilmar Olarte acabou com a minha vida financeira e acabou com a minha família. Ele acabou com a minha vida”, é assim que resume o empresário Divino Rodrigues, 60 anos, que diz ter sido vítima de um golpe com participação do ex-prefeito de Campo Grande, no qual perdeu mais de R$ 800 mil. O juiz Márcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal da Capital, porém, não viu provas do crime de estelionato e absolveu Olarte e outros dois réus na denúncia, sem ouvir depoimentos ou interrogar os acusados em audiência de instrução e julgamento.
O Ministério Público Estadual recorreu contra a sentença, mas o magistrado negou o recurso e manteve a absolvição. Divino, também conhecido como “Bacana”, afirma que respeita a decisão, mas lamenta não ter tido a oportunidade de ser ouvido em juízo. O comerciante conta que ele e sua esposa conheceram Olarte em 2011, quando este era pastor da Assembleia de Deus Nova Aliança.
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Em novembro de 2020, Olarte procurou o casal evangélico para intermediar uma “oportunidade de negócio imperdível”. Um prédio comercial na Avenida Marechal Deodoro, no Jardim Tijuca, estaria indo a leilão por R$ 350 mil. Para “ajudar” o casal de amigos, o ex-prefeito indicou Diego Aparecido Francisco, que seria “advogado especializado em transações imobiliárias” para fechar mais rapidamente a compra do imóvel.
Para intermediar a transação, Diego cobrou R$ 60 mil. Conforme o braço direito do ex-prefeito, os comerciantes deveriam dar R$ 50 mil como sinal, que foi feito com a entrega de R$ 15 mil em dinheiro, mais transferência de R$ 15 mil e dois cheques de R$ 10 mil, que foram descontados em novembro e dezembro de 2020.
Além de ajudá-los a comprar o imóvel no leilão, Francisco se prontificou a viabilizar um empréstimo de R$ 1 milhão no Banco Safra. O financiamento teve o aval da então gerente Alessandra Carrilho de Araújo, que se reuniu com o casal no escritório de Diego no Edifício Evolution, um prédio de salas comerciais nos altos da Afonso Pena.
Graças ao empréstimo de R$ 350 mil do banco, o casal acabou repassando o dinheiro para Diego quitar a compra do prédio comercial. Só que Divino e sua esposa descobriram com o tempo que não existia leilão algum. Para evitar que as vítimas procurassem a polícia, Francisco passou a depositar cheques de altos valores na conta da empresa dos comerciantes.
Todavia, os cheques de R$ 100 mil, em nome de Olarte, de R$ 300 mil e R$ 323 mil, em nomes de terceiros, acabaram devolvidos por falta de fundos.
No fim, o banco passou a cobrar o financiamento, e sem o dinheiro, o casal acabou atolado em dívidas, já que os R$ 800 mil de anos atrás hoje passam dos milhões. E com a derrota no Judiciário, Divino Rodrigues e sua esposa veem quase acabar a esperança de se recuperarem do golpe, ainda mais com ela afundada na depressão.
“Hoje tudo que eu tenho está penhorado”, relata o comerciante. Divino diz ainda que era próximo de Gilmar Olarte e o pastor visitava sua casa com frequência. “Ele tinha a chave do meu apartamento e vinha aqui para usar o banheiro, em vez do banheiro podre da igreja. Tomava café aqui comigo, tenho foto. Tenho amigos que conheço há anos e nunca vieram tomar café aqui em casa. Ele era meu amigo. O Gilmar carregou minha filha. O Gilmar batizou a minha filha, batizou a minha esposa, me batizou”.
“Quando minha esposa começou a depressão, e hoje ela tá quase morta por causa do Gilmar, ele vinha dez horas da noite cantar louvor na minha casa. Você entende? Mas ele já estava montando o programa para me dar o golpe”, explica Divino.
O comerciante afirma não ter mágoas de Francisco e da gerente do Banco Safra. “Eu não consigo ter raiva do Diego e da Alessandra. Bacana, eu tenho um nojo do Gilmar. A função do Gilmar Olarte era arrebatar a vítima e me levar para o escritório muito chique lá no Edifício Evolution. Uma vez entrando ali, você não sai mais”.
Voltando a falar sobre o processo judicial, o sexagenário diz que poderia apresentar centenas de testemunhas que têm conhecimento do golpe, mas o que mais lamenta é não poder ter a oportunidade de ser ouvido pelo juíz.
“O juiz poderia me perguntar: ‘O senhor Divino, porque depositaram na sua conta R$ 723 mil. Um cheque de Gilmar Olarte de R$ 100 mil do banco Sicred, e dois cheques, um de R$ 300 mil e um de R$ 323 mil em nome de amigos deles?’”, narra Divino. “Como que o juiz vendo isso, ele não vai falar assim: ‘Pera aí, por que que esse homem [Olarte] não tem negócio com o Divino? Ele não tem problema com o Divino? E por que, Gilmar, você depositou R$ 723 mil na conta do seu Divino?”.
O comerciante expõe que viu seus negócios minguarem e a esposa consumida pela depressão. “Eu tinha 14 funcionários e hoje tenho três, porque não posso comprar nada, eu não tenho nome pra nada. O Gilmar acabou com a minha vida financeira e acabou com a minha família. Ele acabou com a minha vida. Minha esposa toma oito remédios para dormir. Eu queria poder olhar no olho do Gilmar e perguntar porque ele fez isso com a minha família. Eu sei que ele não vai me devolver o dinheiro”.
Com a absolvição dos denunciados, Divino relata que algumas pessoas passaram a duvidar dele, mas a maioria prestou apoio. “Hoje recebi 130 ligações. Eles dizem que sabem da minha história, mas que a Justiça é assim e tem que entregar na mão de Deus. É o que eu fiz”.
Inocentes
No dia 21 de abril deste ano, o juiz Márcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal de Campo Grande, prolatou a sentença e absolveu Olarte, Alessandra e Diego dos crimes de estelionato e associação criminosa. Ele pontou que não houve prova de que os três aplicaram golpe no casal, porque o negócio estava em nome da filha e não teriam provado as acusações.
“As declarações da vítima para que produzam efeitos jurídicos probantes devem ser corroboradas por outras provas produzidas (CPP, art. 201 – é o que o Código chama de ‘… as provas que possa indicar…’)”, ponderou o magistrado.
“O princípio probante é que as declarações de toda pessoa que possui interesse no processo (acusado, vítima e informantes) é suspeita de parcialidade e não-credibilidade, e, para que produzam efeitos jurídicos probantes deve ser corroborada por prova que a lei não-presuma suspeita de parcialidade e não-credibilidade (perícia, documentos e testemunhas)”, explicou-se Wust.
“Em suma, a lei não-presume a veracidade das declarações das vítimas (ao contrário das testemunhas). Outra interpretação não é possível. O ordenamento jurídico presume que o acusado não-praticou a conduta delitiva que lhe é imputada”, destacou.
“De outro lado, a prova documental (instrumentos de contrato – mandato, conta corrente e empréstimo; registros bancários; recibos de pagamento) não foi produzida (CPP, art. 6º, I, II, III c/c art. 158, 167). Logo, o acusado não-pode ser condenado com fundamento nas declarações acima referidas, posto que viola as normas de direito probante (CPP, art. 157, in fine, e §1º)”, concluiu o juiz.
Sem julgamento
O promotor Élcio D’Angelo ingressou com embargos de declaração contra a absolvição dos três réus. Ele apontou que o juiz não realizou audiência de instrução e julgamento, apesar de ter informado na sentença ter feito o procedimento.
“Sabe-se que os fatos existem, sendo que, somente uma sentença de mérito exauriente, com análise aprofundada das provas e realização de audiência de instrução e julgamento será capaz de chegar a tal conclusão. À fl. 472, a r. Sentença pontuou que houve audiência de instrução e julgamento e que as partes ofereceram alegações finais, entretanto, conforme se observa nos autos, tais atos não foram realizados no presente processo judicial”, alertou o promotor.
“Por outro, não foi esgotada a produção de provas nos autos, por exemplo, porque não houve a realização de audiência de instrução no processo. Os fundamentos do ‘julgamento antecipado’ do processo acarretaram evidente prejuízo à persecução penal, sendo necessário sanar a obscuridade e contradição que permeia a r. Sentença para tornar clara a decisão do Estado Juiz”, apelou D’Angelo.
“Portanto, considerando que a decisão proferida no limiar do processo demonstra-se incompatível com a sumariedade prevista no artigo 397, do CPP, e que há erros materiais causados pela obscuridade e contradições existentes no r. Sentença, é necessário que sejam sanados tais vícios, viabilizando eventual análise sobre o interesse recursal por parte do Ministério Público”, pontou.
O magistrado negou os pedidos e manteve a absolvição dos acusados. Ele frisou que Olarte, Alessandra e Diego Francisco negaram os fatos. O MPE pode apelar da sentença ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.