A viúva e os dois filhos entraram na Justiça para cobrar indenização pela morte do operador de colheitadeira Júlio César Santana, 31 anos, em decorrência da falta de atendimento durante plantão caótico em pronto socorro superlotado da Santa Casa. A ação cobra a responsabilização da Associação Beneficente de Campo Grande e das prefeituras de Campo Grande e de Santa Rita do Pardo.
Além de expor o drama de uma família, o processo é o resultado trágico do colapso enfrentado pelo maior hospital do Centro-Oeste e da gravíssima crise enfrentada pela saúde na gestão de Adriane Lopes (PP). Desde o início do ano, a instituição tenta receber R$ 46 milhões do município, mas o pedido foi barrado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
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A ação foi protocolada em Sertanópolis (PR), onde o trabalhador residia com a esposa, Márcia Maiara Ramos Antônio e os dois filhos menores, Benicio e João Miguel. Com apenas 31 anos de idade, Júlio César foi atropelado por uma colheitadeira e encaminhado ao hospital de Santa Rita do Pardo no dia 9 de janeiro deste ano.
O paciente acabou encaminhado às 23h42 para o pronto socorro da Santa Casa. A família chegou de madrugada, por volta das 2h, e tentou ver o paciente em cinco ocasiões: 2h, 3h, 4h, 5h e 7h. Somente às 9h, os familiares foram chamados para ter a pior notícia.
“Somente as 9:00h a família foi chamada pelo médico emergencista Jorge Martinez, que passou a informar que o Sr. Júlio deu entrada no hospital em estado estável e conversando, no entanto, por volta das 5h ele entrou em estado de choque, sendo necessário entubação, evoluindo com uma parada cardíaca e óbito”, pontuou a advogada Caroline Gobbo Sevidanis.
Uma sequência de erros no caos
O médico “afirmou ainda que infelizmente o Sr. Júlio teria dado entrada em um plantão CAÓTICO onde ninguém viu que ele tinha uma ruptura de baço e ao desestabilizar identificaram, porém não tinha condições de transporte para o centro cirúrgico, vindo a falecer em decorrência de hemorragia interna não tratada a tempo”, contou a defensora.
“Conforme se verifica pelo prontuário médico apresentado, o documento atesta que não havia condições de realizar esse transporte para o centro cirúrgico, o que acabou evoluindo para óbito às 08h18min”, relatou.
“O próprio médico admitiu que o paciente deu entrada em um ‘plantão caótico’, no qual nenhum profissional identificou a ruptura esplênica até o agravamento irreversível do quadro clínico. A negligência institucional ficou ainda mais evidente quando, pouco após a conversa, a irmã de Júlio ouviu dois profissionais discutindo o caso em frente à sala. Ao se aproximar, escutou claramente a afirmação de que o prontuário registrava apenas a entrada do paciente às 23h45 e a parada cardiorrespiratória às 05h00, sem outros dados clínicos registrados”, destacou Caroline.
“Com isso, foram interrompidos pelo familiar do paciente, que afirmou a culpa deles no óbito de Júlio, que chegou estável, mas o deixaram instabilizar até não ter condições de reverter seu quadro. Nisso, um dos médicos confirma que o óbito poderia ser evitado e informa que o caso seria notificado à direção do hospital. A própria equipe admitiu, ainda que informalmente, tratar-se de um óbito evitável, evidenciando falhas nos protocolos de atendimento e monitoramento”, relatou a defensora.
“Além disso, conforme laudo pericial anexado juntamente com essa exordial, mesmo apresentando dor abdominal refratária e indícios de instabilidade hemodinâmica, não foi submetido a exame FAST, essencial no protocolo de atendimento ao politraumatizado, sendo este substituído indevidamente por tomografias, cujos laudos só foram emitidos após o óbito”, continuou.
“Verifica-se que a sequência de erros é cristalina, já que os exames de tomografia são laudados em horário posterior ao óbito, ou seja, o óbito ocorreu 8h18m do dia 10/01/2025 e os laudos dos exames somente saíram as 9h35m do mesmo dia”, frisou.
“O prontuário do paciente apresentava graves lacunas, com ausência de prescrições de medicamentos, de registros evolutivos, de descrição do atendimento durante as paradas cardíacas e de justificativas clínicas para o uso de drogas vasoativas. Foi encontrada apenas uma folha manuscrita, apesar de o hospital dispor de sistema 100% informatizado, citando o uso de noradrenalina, fentanil e midazolam, sem prescrição formal, e a confirmação da existência de dreno, entretanto, inexiste documentação quanto à prescrição dos medicamentos ou da inserção do dreno, e posteriormente, inexiste confirmação em laudo do IML de sua perfuração, o que levanta sérios questionamentos a respeito da validade deste documento e da efetiva aplicação dos medicamentos e condutas praticadas, não podendo este ser considerado como uma documentação médica válida”, enumerou outras falhas no hospital.
“Avaliação tardia pela cirurgia geral, que ocorreu somente às 8h, quando o paciente já se encontrava em deterioração irreversível”, prosseguiu Caroline. “Uma sequência de erros que foi infelizmente FATAL!”, concluiu.
“Por fim, é importante destacar ainda que houve diversos descuidos e infrações diretas ao Código de Ética Médica (CFM) nó tratamento pós-óbito do paciente, se destacando o impedimento de que a família veja o corpo do falecido, mesmo que a morte tenha ocorrido de forma natural, com causa conhecida e documentada e sem investigação policial ou risco sanitário, constituindo assim erro grave de conduta”, destacou.
Indenização
A viúva e os filhos pedem R$ 3,6 milhões, o que inclui indenização por danos morais de R$ 500 mil para cada um e mais pensão vitalícia de R$ 9.444,44 para os três. O valor pode ser rateado entre a Associação Beneficente de Campo Grande e as prefeituras de Campo Grande e Santa Rita do Pardo. A ação tramita na Vara de Fazenda Pública de Sertanópolis.
A audiência de conciliação foi marcada para o 4 de setembro deste ano.
O mais triste é que ninguém faz nada para, pelo menos, minimizar o problema. Em Campo Grande, só não falta dinheiro para elevar o salário da prefeita Adriane Lopes e os secretários. A Câmara Municipal ameaçou com uma CPI da Santa Casa, que segue na gaveta do presidente, Papy (PSDB). E a Justiça barrou o pagamento de R$ 46 milhões ao hospital.