Depois de sete anos da deflagração da Operação Vostok, a Justiça aceitou a denúncia pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa contra o advogado Rodrigo Souza e Silva, filho de Reinaldo Azambuja (PSDB), o deputado estadual Zé Teixeira (PSDB), o conselheiro Márcio Monteiro, do Tribunal de Contas do Estado, e poderosíssimos empresários. Eles viraram réus pela suposta propina de R$ 67,791 milhões paga pela JBS ao ex-governador.
Em despacho publicado nesta quarta-feira (20), o juiz Deyvis Ecco, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, concluiu que há provas e indícios da existência de estruturada organização criminosa, comanda por Reinaldo Azambuja, para conceder benefícios fiscais em troca de propina, que variava entre 20% e 30%, paga pela JBS.
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“Ante a prova da materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria dos fatos delituosos imputados aos réus, RECEBO A DENÚNCIA, por satisfazer os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, além de estarem presentes as condições da ação e os pressupostos processuais”, destacou o magistrado, o 3º a assumir o processo desde que chegou à 2ª Vara Criminal de Campo Grande.
A denúncia foi protocolada no Superior Tribunal de Justiça pela então subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, no dia 15 de outubro de 2020. Após Reinaldo deixar o cargo de governador, a corte declinou competência para a justiça estadual.
No entanto, como houve mudança na interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre foro privilegiado, o juiz determinou a desmembramento da denúncia contra o tucano, que planeja trocar o PSDB pelo PL de Jair Bolsonaro, e a devolução para análise da Corte Especial do STJ.
Caixa dois e Lama Asfáltica
O juiz negou pedido dos réus para encaminhar a denúncia para a Justiça Eleitoral porque havia indícios de crime eleitoral. No despacho, Ecco explicou que ao longo das 350 páginas da denúncia, a PGR e o Ministério Público Eleitoral deixaram pouco espaço para a suspeita de caixa dois.
Rodrigo Souza e Silva também pediu para encaminhar à 1ª Vara Criminal, onde tramitam as ações da Operação Lama Asfáltica. Apesar de algumas coincidências, ele destacou que há diferenças entre os supostos esquemas criminosos denunciados envolvendo André Puccinelli (MDB) e Reinaldo Azambuja.
O magistrado negou o pedido da defesa para rejeitar a denúncia sobre o crime de organização criminosa. “Em que pesem as narrativas acima, tem-se que não há que se falar em acolhimento das teses encampadas pelas defesas e acima descritas, visto que, ao sentir deste juízo, quanto ao crime de organização criminosa, há a justa causa necessária para o prosseguimento da ação penal”, explicou.
“Além da narrativa acima exposta, também se visualiza a presença de elementos probatórios mínimos aptos a embasá-las, as quais já foram mencionadas no decorrer dessa decisum, de maneira que estancar a persecução penal nesse momento se mostraria uma medida desproporcional”, destacou.
“Portanto, aparentemente há descrição de condutas hipoteticamente criminosas, previstas no art. 2º da Lei n. 12.825/13, havendo ainda lastro suficiente para, ao menos, justificar o recebimento da denúncia, devendo a análise do acervo de provas ser feita após a realização de todos os atos processuais de instrução, para melhor elucidação dos fatos”, apontou.
Esquema de R$ 67,7 milhões
Os 21 réus são acusados de integrar o esquema criminoso que trocou notas fiscais frias emitidas pela JBS para “esquentar” o pagamento de R$ 67,7 milhões ao ex-governador Reinaldo Azambuja.
“Tomando como partida o acima exposto, depreende-se que a presente ação apura supostos fatos criminosos que, segundo a denúncia, alcançaram a monta estimada de R$ 67.791.309,48 (sessenta e sete milhões, setecentos e noventa e um mil, trezentos e nove reais e quarenta e oito centavos – f. 46), de modo que não se mostra proporcional e razoável que toda a peça acusatória descreva, de maneira detalhada, o ‘caminho do dinheiro’ como alude o réu Nelson, sendo suficiente as indicações constantes na peça proemial, sobretudo quando acompanhada de dados bancários, datas e planilhas, como é o caso dos autos, os quais servirão como objeto de análise de maneira aprofundada no decorrer da instrução criminal”, pontuou o juiz.
O valor corrigido pela inflação seria de R$ 104,3 milhões, considerando-se o IPCA, a inflação oficial no País.
A lista dos réus inclui empresários poderosíssimos, que frequentam as páginas policiais e escândalos de corrupção há anos, mas que nunca foram punidos pela Justiça de Mato Grosso do Sul, como João Roberto Baird, o Bill Gates Pantaneiro, Antônio Celso Cortez, o Toninho Cortez, e Ivanildo da Cunha Miranda.
Réus poderosos
Miranda foi delator da Operação Lama Asfáltica, o único no Estado, e é acusado de ser o operador das campanhas eleitorais do MDB e do PSDB. Também integra a lista o prefeito de Porto Murtinho, Nelson Cintra (PSDB), o irmão de Reinaldo, Roberto de Oliveira Silva Júnior, e os sobrinhos Gabriela Azambuja da Silva Miranda e Léo Renato Miranda.
Outro réu emblemático é o empresário Élvio Rodrigues, dono da Fazenda Santa Mônica, área de 25 mil hectares e envolvido em uma polêmica por ter obtido autorização do Governo do Estado para desmatar 20 mil hectares.
Confira a lista completa dos réus na Operação Vostok:
- Rodrigo Souza e Silva (advogado e filho de Reinaldo Azambuja);
- Márcio Campos Monteiro (ex-secretário de Fazenda e conselheiro do TCE);
- José Roberto Teixeira, o Zé Teixeira (deputado estadual);
- Nelson Cintra Ribeiro (prefeito de Porto Murtinho pelo PSDB)
- Osvane Aparecido Ramos (ex-deputado estadual e ex-prefeito de Dois Irmãos do Buriti);
- Zelito Alves Ribeiro (pecuarista e irmão do ex-prefeito de Aquidauana);
- Cristiane Andréia de Carvalho dos Santos (chefe de gabinete do ex-governador);
- João Roberto Baird (empresário);
- Ivanildo da Cunha Miranda (empresário);
- Antônio Celso Cortez (empresário);
- José Ricardo Gutti Guimaro, o Polaco (corretor de gado);
- Daniel Chramosta (empresário Buriti Comércio de Carnes);
- Pavel Chramosta (empresário Buriti Comércio de Carnes);
- Roberto de Oliveira Silva Júnior (irmão de Reinaldo Azambuja);
- Gabriela de Azambuja Silva Miranda (sobrinha de Reinaldo Azambuja);
- Léo Renato Miranda;
- Elvio Rodrigues (pecuarista);
- Francisco Carlos Freire de Oliveira (pecuarista)
- Rubens Massahiro Matsuda (pecuarista);
- Miltro Rodrigues Pereira (pecuarista);
- Daniel de Souza Ferreira.
O juiz ainda não marcou a audiência de instrução e julgamento.