Gabriela Couto – Por debaixo de uma lona amarela, instalada de forma improvisada em um poste de energia, no canteiro de uma das avenidas mais movimentadas de Campo Grande, mora Sidnei, 45 anos. Sim, o filho de baiano com mineira escolheu a Avenida Lúdio Martins Coelho, na Vila Taveirópolis, como seu lar há oito anos.
O local escolhido é extremamente estratégico. “Aqui sou protegido por todos os lados. Olha ali um soldado na guarita olhando pra gente”, disse ele, apontando para uma das torres de segurança do 9º Batalhão de Manutenção do Exército Brasileiro.
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“Eu sou vigiado por eles. Monto minha casa embaixo desse poste de luz, e aqui é muito movimentado. Foi um jeito de garantir minha segurança contra pessoas mal-intencionadas”, justificou.
Entre o movimento frenético dos veículos que passam pela avenida, a casa de Sidnei é praticamente invisível. A via, inaugurada há 14 anos, é o principal ponto de ligação entre os 11 bairros da região, onde moram 120 mil pessoas.
Mas foi justamente ali, onde casas da vizinhança podem ser vendidas por até R$ 1,5 milhão, que o morador em situação de rua encontrou a paz que buscava para viver por uma década. “Eu conheço todas as cidades ao redor, mas escolhi aqui para viver 10 anos. É uma coisa que eu tenho comigo, de ficar uma década no mesmo lugar”, justificou ele, ressaltando que ainda restam dois anos para permanecer no canteiro da avenida.
Nesse período, ele conta que viu a cidade crescer e acompanhou parte do aumento populacional ao longo dos seus 126 anos de história. Movido ao som dos carros, que são como canção de ninar, ele teve que mudar a rotina nos últimos anos.
“Eu só durmo tranquilo com o barulho dos carros. Tenho medo do escuro e do silêncio. Tive que alterar minha rotina com o passar do tempo, porque, no horário de pico, não consigo atravessar a via, devido ao congestionamento.”
Sem querer entrar em detalhes sobre o passado, Sidnei disse que deixou a vida de pedreiro e pintor para trás. “Eu não gosto muito de falar sobre isso. Mas tenho duas filhas. Deixei elas pequenas em Cascavel (PR) e fui para o Norte do país. Depois fui descendo e parei aqui. Sou feliz desse jeito.”
Desapegado de bens materiais, tudo que o homem tem cabe no seu carrinho. Ele não se importa com o fato de armar e desarmar seu barraco todos os dias, no mesmo lugar. Muito menos se sente dor ou fome. “É maravilhoso abrir os olhos e poder sair por aí. Ter saúde e viver tranquilo”, ressaltou.
Sidnei passa o dia pelas ruas da Capital buscando material reciclável para poder vender e conseguir algum dinheiro. Com o pouco que arrecada, volta para o mesmo ponto, compra um pouco de comida e uma garrafa de pinga. Esta é a única refeição do dia dele.
Apesar de toda a vulnerabilidade, ele não aceita ajuda. “Já tentaram me tirar daqui. A Prefeitura veio, a polícia veio, mas aqui é minha casa. Faz tempo já que eles não passam por aqui. Todo mundo na região me conhece. Sabem que eu não incomodo ninguém.”
O homem, no entanto, não relutou em aceitar material reciclável para poder fazer renda. “Pode me trazer, mas tem que entregar em mãos. Quantas vezes já passaram aqui e disseram que deixaram cesta básica, e sumiu”, lamentou.
A única dor de cabeça, no momento, é um ‘vizinho’ indesejado. Outro homem também acampou a poucos metros de Sidnei, no mesmo canteiro. “Eu não gosto nem de olhar pra lá. Finjo que ele não existe. Eu cheguei primeiro.”
De acordo com o estudo do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), divulgado em março deste ano, há 1.091 pessoas vivendo em situação de rua na Capital.