Gabriela Couto – Em 126 anos de história, Campo Grande conta com pessoas que fazem a diferença na vida dos demais, mesmo sem holofote. Silenciosamente, três vidas que, de formas diferentes, provam que fazer o bem ainda é o caminho mais poderoso para transformar o mundo. Além disso, eles mostram que a capital sul-mato-grossense é feita, principalmente, de quem cuida e age com o coração.
Carlos Pedroso, 68 anos, poderia ter parado depois da aposentadoria. Mas escolheu continuar. Ele seguiu fazendo o que sempre acreditou: servir. Rotariano há 36 anos, hoje ele é governador do Distrito 4470 do Rotary Internacional, que abrange todo Mato Grosso do Sul, parte de São Paulo e até um pedaço do Paraguai. Um trabalho voluntário que vai muito além das reuniões semanais.
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Sob sua coordenação, clubes da capital e do interior tiram do papel projetos que mudam comunidades inteiras. São oficinas de costura para mães solo, panificadoras comunitárias que formam e empregam, espaços de sublimação e inclusão, atendimento a instituições como a Pestalozzi e o Cotolengo. “A gente não dá só o peixe nem só a vara. A gente ensina a construir o barco junto”, resume Carlos.
Uma das ações que mais o marcaram foi a entrega de uma prótese mecânica para um caminhoneiro que perdeu a mão num acidente. A tecnologia, criada por rotarianos do Paraná, chegou a Campo Grande por meio do projeto Mão Solidária. “Ele mandou foto dirigindo, cozinhando… voltou a viver. É esse tipo de coisa que nos mostra que vale a pena.”
Ninguém sabe ao certo a idade de Ivanir Aparecida Lucas Pulcherio, a Cidinha, e ela gosta assim. Todo 5 de fevereiro, ela comemora, como faz questão de dizer, um “novo aniversário de 15 anos”. E, em vez de presentes, pede doações. Porque é isso que move sua vida há mais de meio século: doar.
Filha de nove irmãos, nascida em Porto Murtinho, viu a mãe criar sozinha a família depois da morte precoce do pai. Foi com ela que aprendeu o valor da dignidade. “Minha mãe dizia: ganhe o pão com o suor do rosto. E eu aprendi que dignidade é o primeiro passo”, conta.
Seu trabalho começou nos anos 70, quando administrava a creche Paraíso Infantil, no bairro Lar do Trabalhador. Sem merenda suficiente para alimentar 120 crianças, saiu pedindo ajuda por onde podia. Recebeu hortaliças, pão amanhecido, e usou o capim-cidreira do quintal de casa para fazer chá para os pequenos, quando não tinha mais a quem recorrer. E, como no sinal de que não devia parar, doações inesperadas chegavam na unidade, após um dia difícil. “Ali eu entendi que quando você faz com amor, a resposta vem.”
Desde então, Cidinha virou referência em solidariedade. Está à frente de ações de saúde e educação, entrou para o Lions Clube em 2012, e construiu uma grande rede de parceiros que acredita na força do bem. “Ninguém faz nada sozinho. Mas quando a gente ensina a partilhar, o bem se multiplica.”
A defensora pública Olga Cardoso sabe bem o que é viver com pouco. Perdeu o pai aos quatro anos e cresceu vendo a mãe criar cinco filhos sozinha, com esforço e coragem. Cada peça de roupa usada que ganhavam era recebida como um presente valioso. E foi essa memória que ela transformou em missão.
Desde jovem, Olga se dedica ao voluntariado. Começou com campanhas de Natal solidário entre amigos e, hoje, comanda grandes ações que chegam a beneficiar milhares de crianças em datas especiais, como Páscoa, Dia das Crianças e o fim do ano. “Tudo que um dia fizeram por mim, agora eu faço por outros. Isso me alimenta”, diz.
Em 2023, assumiu a governadoria ambiental do Lions Clube, com o projeto de fortalecer a arborização de Campo Grande, após a fundação do Lions Ipê Amarelo e trabalha com famílias de catadores do antigo aterro sanitário. “O que eu recebo de volta é impagável: o brilho nos olhos, a gratidão, o afeto. Isso não tem valor que pague.”
Atualmente, prepara uma nova campanha de Natal. O desafio é encontrar padrinhos para 350 crianças. O objetivo? Um presente, uma roupa, um calçado. E um sorriso. “É trabalhoso, mas eu lembro da minha infância. Se fizeram isso por mim, posso fazer pelo outro.”