A Divisão de Fiscalização de Contratações Públicas do Tribunal de Contas do Estado constatou a existência de irregularidades que podem afetar a concorrência da licitação bilionária da nova Lotesul (Loteria de Mato Grosso do Sul), com risco de danos aos cofres do Governo do Estado. A sessão pública para julgamento das propostas estava agendada para o dia 17 de março deste ano, mas foi suspensa pelo conselheiro Márcio Monteiro.
A disputa pelo negócio atraiu grupos comandados pelo empresário Jamil Name Filho, preso e condenado a penas que somam décadas, e pelo deputado estadual Neno Razuk (PL). As denúncias de irregularidades no certame foram feitas pela Criativa Technology, empresa de Dourados ligada ao empresário Roberto Razuk, pai do parlamentar, e pelo próprio Jamilzinho.
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Ao suspender a licitação, Monteiro determinou a análise pela equipe de fiscalização do TCE. O relatório com 55 páginas assinado em 11 de agosto conclui que as denúncias são parcialmente procedentes em pontos relativos às exigências de qualificação técnica, duração e prazo do contrato, prazo para prova conceito, e ausência de uma matriz de risco específica para indenizações e lucros cessantes.
Também foi colocado em xeque o faturamento anual previsto de R$ 51,4 milhões no contrato que pode durar 35 anos.
A Divisão de Fiscalização do TCE defende que a autorização para a exploração dos serviços de loteria seja ao menos concomitante à contratação por meio da licitação, pois somente com a referida autorização é que se terá uma estimativa da quantidade de agentes operadores, bem como, a estimativa do valor da receita proveniente das apostas realizadas.
“Dessa forma, considera-se que o valor previsto como receita média anual de R$ 51.474.339,31 (cinquenta e um milhões quatrocentos e setenta e quatro mil trezentos e trinta e nove reais e trinta e um centavos), não se encontra justificado, ou ao menos não foi encaminhado a esta Corte”, afirma.
“As denúncias procedem ao apontarem as exigências excessivas de transações e a experiência em mercados regulados, pois tais critérios foram considerados desproporcionais à realidade do estado”, diz o documento.
“O questionamento sobre o prazo de 10 a 35 anos se mostra procedente, uma vez que a possibilidade de prorrogação contratual não está prevista no edital, mas apenas no Termo de Referência, o que contraria a Lei n. 14.133/2021. Além disso, a justificativa para um prazo tão longo não foi tecnicamente robusta, pois o Mapa de Riscos não previu medidas para mitigar os riscos associados à longa duração do contrato”, continua.
O prazo de 10 dias úteis para a apresentação da Prova de Conceito foi considerado “exíguo e subjetivo”, o que restringe a participação de empresas que precisam de mais tempo para adaptar suas soluções. E a falta de matriz de risco específica para indenizações e lucros cessantes relacionada a possíveis inconsistências operacionais no sistema de pagamento, “pode potencialmente prejudicar a atuação dos operadores lotéricos”.
No entanto, as denúncias foram consideradas improcedentes em outros pontos, uma vez que as exigências estão respaldadas pela legislação e visam a proteção do interesse público, como a entrega do código-fonte, a vedação ao uso de cartões de crédito e as limitações para subcontratação.
A denúncia anônima sobre a suspensão indevida da licitação também foi considerada procedente, o que é apontado como mais um fator a corroborar com a tese de irregularidades. Isso porque o pedido de esclarecimento que motivou a suspensão foi protocolado fora do prazo legal (três dias úteis antes da data do certame), “o que viola o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e à própria Lei n. 14.133/2021”.
“Em síntese, a análise técnica aponta para falhas significativas no planejamento e nas exigências do edital que, de forma geral, comprometem a lisura do certame e restringem indevidamente a competitividade. A suspensão da licitação por um pedido intempestivo [fora do prazo] também corrobora a tese de irregularidades no processo. A administração pública deve revisar e ajustar o edital para garantir sua conformidade com a legislação”, conclui o documento assinado pelos auditores Controle Externo Carla Barichello, Angela Sales dos Santos, e Denis Antônio Barbosa de Souza.
Também houve análise técnica do Pregão Eletrônico nº 0009/2024, publicado pela Agência Estadual de Loterias do Mato Grosso do Sul (Lotesul), cujo objeto é a contratação de solução integrada de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) voltada à implantação, operação e supervisão de sistemas lotéricos estaduais.
Foram apontados como “pontos críticos” a ausência de fundamentação técnica e planejamento escalonado de funcionalidades, inexistência de estudo técnico-comparativo de soluções de mercado e exigência de 15 milhões de transações/ano e 40 tps sem estudo de carga e demanda.
“Tais parâmetros, portanto, configuram barreiras técnicas excessivas, em desacordo com os princípios da proporcionalidade (art. 5º) e da ampla competitividade (art. 14) da Lei nº 14.133/2021”, afirma a análise.
O órgão defende que a licitação baseada em como funciona a loteria no estado do Paraná é indevida. Isso porque a população paranaense (11,4 milhões) é aproximadamente 4 vezes maior que a de Mato Grosso do Sul (2,8 milhões), conforme dados do IBGE no Censo de 2022.
“As exigências técnicas são idênticas às do edital paranaense, sem devida calibração proporcional ao porte e maturidade do mercado local”, define o auditor estadual de Controle Externo Denis Antônio Barbosa de Souza.
“Diante dos elementos técnicos analisados, conclui-se que o edital em apreço contém cláusulas e exigências técnicas desproporcionais, sem lastro documental adequado e com elevado potencial de restringir a competitividade, caracterizando possível violação aos princípios da legalidade, proporcionalidade, motivação e economicidade”, conclui.
Entre as recomendações está a revisão do estudo técnico preliminar (ETP), adoção de planejamento modular de funcionalidades, definição formal dos critérios técnicos da Prova de Conceito (PoC), e revisão das métricas de desempenho exigidas.
O edital prevê faturamento de R$ 51,4 milhões por ano. O mínimo previsto é o repasse de 16,17% da receita bruta para o Governo do Estado. A empresa favorita propôs repassar 21.57%. Ela não teve o nome revelado.