Deflagrada há 10 anos, no dia 25 de agosto de 2015, a Operação Coffee Break causou terremoto político sem precedentes na história de Campo Grande, que chegou a ter três prefeitos em um único dia, e de Mato Grosso do Sul. As investigações da Polícia Federal e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) expuseram as articulações feitas no submundo da política e da Justiça e continuam repercutindo até hoje na produção dos escândalos.
A ofensiva de poderosos na compra de sentenças para manter os contratos bilionários com o poder público é citada nas operações que causaram terremoto no Tribunal de Contas do Estado, que culminaram em três operações e no afastamento de quatro dos sete conselheiros.
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O impacto atingiu até o Poder Judiciário com a deflagração da Operação Ultima Ratio, deflagrada no dia 24 de outubro do ano passado, que colocou sete desembargadores na mira da PF e levou ao afastamento e até monitoramento com tornozeleira eletrônica de cinco. Atualmente, apenas cinco magistrados, sendo um juiz de primeiro grau, continuam afastados.
A licitação da coleta do lixo, vencida pelo consórcio formada pelas empresas Financial Construtora Industrial e LD Construções, é a mais emblemática e pivô central na maratona de escândalos. Apesar das denúncias de corrupção, pagamento de propina, inclusive da Fazenda Papagaio, avaliada em R$ 29 milhões na época, a Solurb permanece com o contrato com a prefeitura da Capital e ganhando uma fortuna.
Nada consegue pôr fim ao contrato bilionário. Alcides Bernal (PP) caiu ao realizar auditoria e expor a corrupção, mas acabou atingido por um golpe na madrugada do dia 13 de março de 2014. Ele foi cassado pela Câmara Municipal. Os bastidores da cassação, no qual políticos e empresários usavam a prefeitura como trampolim para negócios privados, sem qualquer interesse com a coletividade, vieram à tona na Coffee Break.
Em sentença histórica publicada em abril deste ano, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, condenou 11 dos 24 denunciados por improbidade administrativa, suspensão dos direitos políticos e ao pagamento de R$ 1,9 milhão. Entre os condenados estão poderosíssimos empresários como João Amorim, João Roberto Baird, o Bill Gates Pantaneiro, o vereador Jamal Salem, o Dr. Jamal (MDB), o ex-prefeito Gilmar Antunes Olarte (sem partido), o ex-deputado estadual Paulo Siufi (MDB), e os ex-vereadores Mário César, Edil Albuquerque e Airton Saraiva.
Já a ação penal tramita em sigilo e sem perspectiva de sentença do juiz Márcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal de Campo Grande. Ele chegou a marcar o julgamento, mas foi suspenso pelo STJ. No escuro e no maior sigilo, a sociedade não sabe o desfecho das denúncias por corrupção e lavagem de dinheiro.
Só a ponta do iceberg
A Operação Coffee Break foi apenas a ponta do iceberg de escândalos. A concessionária do lixo é citada nos escândalos contra venda de sentenças no TCE e no Tribunal de Justiça. “A denúncia baseou-se no Inquérito nº 1192/DF (Operação Lama Asfáltica), que apurou a existência de organização criminosa liderada por João Amorim para fraudes licitatórias, superfaturamento e desvios de recursos públicos por intermédio da empresa CG SOLURB”, apontou a subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, em petição protocolada na última sexta-feira (22) em ação contra os conselheiros Iran Coelho das Neves e Waldir Neves Barbosa.
A PF suspeita que João Amorim é sócio oculto da Solurb e foi responsável por livrar a concessionária de condenações no TCE e TJMS e continuar com o contrato bilionário com o município.
O juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, chegou a prolatar sentença determinando a anulação da licitação do lixo, o rompimento do contrato e a condenação de Amorim, de Nelsinho Tras (PSD) e dos sócios da Solurb. No entanto, o TJMS anulou a sentença e mantém o vínculo, apesar das denúncias e suspeitas.
Ao longo dos últimos 10 anos, apenas Olarte ficou preso e foi condenado a oito anos e quatro meses por corrupção, mas já está solto e reconstruindo a vida com uma rede de restaurantes. Enquanto reina a impunidade, a PF estendeu as operações e chegou a conselheiros do TCE e desembargadores do TJMS.
“A corrupção esteve presente em diversos pontos do executivo, legislativo e judiciário, conforme consta nas provas existentes no processo. Os que detinham foro privilegiado se “salvaram” por pouco graças ao poder, tempo e influência. Olarte sempre se vangloriou de ser blindado no município, estadual e em Brasília”, relembra Bernal, que foi cassado em março de 2014 e voltou ao cargo no dia 26 de agosto de 2015.
“Eu acredito na justiça, os elementos probatórios, necessários e suficientes para o julgamento justo e condenatório estão nos autos e na cabeça da população campo-grandense. Já temos várias decisões que anularam os atos de lawfare praticados por essa orcrim (organização criminosa) contra Campo Grande e contra minha pessoa”, avaliou o ex-prefeito.
“Temos bons, doutos e honestos magistrados, por isso confio na justiça”, ressaltou. Bernal reassumiu o cargo graças ao Tribunal de Justiça e concluiu o mandato. Ele chegou a romper com a Solurb, mas o TCE anulou o decreto e manteve a empresa. A manobra do conselheiro Ronaldo Chadid é citada nas operações Mineração de Ouro e Terceirização de Ouro, da PF.
Impacto político
Para o cientista político Tércio Albuquerque, a Operação Coffee Break teve um grande impacto político na Capital. No entanto, mesmo com alguns condenados, quase todos não foram presos e Olarte já está solto. Mesmo diante do escândalo, novos casos de corrupção continuam sendo registrados e mostra que nem todos aprenderam a lição ou temem a punição pelos atos de corrupção.
Muitos políticos citados na Coffee Break não tiveram mais sucesso na política, como o ex-governador André Puccinelli (MDB), que ficou em 3º lugar na disputa do Governo e não conseguiu viabilizar a disputa da prefeitura no ano passado, apesar de ainda ser apontado como o melhor prefeito na história da Capital.
O ex-presidente da Câmara Municipal, João Rocha (PP) e Gilmar da Cruz (Republicanos) perderam a primeira eleição no ano passado e Airton Saraiva não conseguiu retornar. Nelsinho se elegeu senador após perder o Governo em 2014 e vai tentar a reeleição em 2026.
Dos 24 denunciados na Coffee Break, 11 foram condenados por improbidade (Foto: Arquivo)