A Justiça condenou a 94 anos e 10 meses de cadeia 12 integrantes da organização de criminosa integrada por mercenários, que atuava na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. O chefe do grupo, Antônio Joaquim Mendes Gonçalves da Mota, o Dom ou Motinha, 32 anos, famoso por fugir de helicóptero em duas operações da Polícia Federal, foi condenado a 11 anos, três meses e cinco dias no regime fechado em estabelecimento penal de segurança máxima.
A sentença é do juiz federal substituto Rafael Figueiredo Braz Spirlandelli, da 2ª Vara Federal de Ponta Porã, foi publicada nesta terça-feira (26). A condenação é resultado da Operação Magnus Dominus, deflagrada pela PF em 30 de junho de 2023.
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“Os acusados integram uma organização criminosa armada, de caráter paramilitar e transnacional, voltada ao tráfico internacional de drogas e armas, com atuação sistemática na região de fronteira entre Brasil e Paraguai”, pontuou o magistrado ao longo da sentença de 144 páginas.
“O grupo se vale de armamento bélico de uso restrito (fuzis AK-47, metralhadoras .50 e dispositivos militares como óculos de visão noturna, etc), além de possuir estrutura logística complexa, composta por imóveis rurais no Paraguai, aeronaves, veículos blindados, base financeira sólida, pagamentos em moeda estrangeira e uso de plataformas criptografadas para comunicação”, apontou.
“Da análise do extenso caderno processual, sobressai que a autoria do réu ANTÔNIO, quanto ao crime ora imputado, é certa e induvidosa. Inicialmente, destaque-se a posição de liderança e comando por parte do réu ANTÔNIO, com a identificação de comunicações e aspectos de estrutura hierárquica, tendo sido comprovado sua identificação como líder e chefe principal, embora indireto, de todos os “mercenários’”, destacou.
Dom, que conseguiu fugir de helicóptero e se livrar de duas operações da PF, é apontado como um poderosíssimo narcotraficante, que residia nas cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
A organização criminosa é formada por mercenários recrutadas na Europa. “A presença e o recrutamento de estrangeiros — GIORGIO (italiano), NIKOLAOS (grego), ROMAN (francês), AURELIEN (francês) e MUSAT (romeno) — por intermediação de IURI, inclusive com tratamento de pendências migratórias, reforçam o caráter transfronteiriço da unidade paramilitar, tal como revelam e-mails e conversas apreendidos”, frisou o magistrado.
Motinha, como também é chamado, ganhou fama nacional pela fuga espetacular. Ele também é acusado de usar as fazendas no Paraguai como entrepostos para o recebimento e fornecimento de cocaína, inclusive para a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital.
“Quanto às atividades de tráfico de drogas , restou demonstrado que o réu ANTÔNIO, além de ser fornecedor de cocaína em atacado, abastecendo varejistas tanto para consumo interno quanto para exportação, também fornecia o entorpecente para outros grupos criminosos, a exemplo do Primeiro Comando da Capital (PCC)”, destacou Spirlandelli.
“As propriedades rurais no Paraguai, ligadas a ele, foram usadas como entrepostos para o recebimento e envio da droga pelo modal aéreo, tendo sido coletados vários indícios de que aeronaves carregadas com drogas partiram de lá, com a operação de segurança por parte dos ‘mercenários’”, ressaltou o magistrado.
Poder político e financeiro
“Identificou-se que o réu ANTÔNIO arcava com todos os custos da atividade paramilitar, incluindo hospedagem em suas propriedades rurais. Além disso, todo o material armamentista e bélico utilizado pelo grupo era adquirido por ele, já que foi identificado que armas registradas em seu nome foram usadas e transferidas para os ‘mercenários’”, relatou.
“Outro destaque é o vínculo e influência política no Paraguai, sendo efetivamente demonstrado que o ‘Clã Mota’ realiza um controle social e político da fronteira de Ponta Porã/MS e Pedro Juan Caballero/PAR, desde os anos 70”, apontou. Ele até foi responsável pela segurança do presidente eleito do Paraguai em um comício na fronteira.
“Em conclusão, sobre a relação com outros acusados e indivíduos, a agenda do réu ANTÔNIO revelou contatos com figuras do tráfico e matadores de aluguel. Além disso, como já mencionado, o corréu IURI GUSMÃO era seu ‘braço direito’, responsável pela contratação, gestão e repasse de salários aos ‘mercenários’”, afirmou, sobre o gerente da organização criminosa, Yuri Silva de Gusmão, 33, condenado a nove anos, um mês e 27 dias no regime fechado.
“A acusação sustenta que o réu IURI, no que diz respeito à liderança e hierarquia na organização criminosa, seria descrito como o chefe e gerente do grupo de mercenários e o interlocutor principal entre esses mercenários e o líder (réu ANTÔNIO). Ele estaria imediatamente e diretamente subordinado ao réu ANTÔNIO, a quem chamava de ‘chefe’”, observou o juiz.
“ANTÔNIO é apontado como o atual chefe do ‘Clã Mota,’ e teria assumido o controle da organização de seu pai e modernizado suas operações no tráfico transnacional de drogas. Ele teria inovado ao recrutar profissionais paramilitares com treinamento e experiência em guerra para sua segurança, um método distinto dos anteriormente utilizados na fronteira”, pontuou o juiz.
“Já quanto à função do grupo paramilitar, ou dos mercenários, seria ele composto por indivíduos brasileiros e estrangeiros com formação militar, com objetivo de proteção do réu ANTÔNIO, sua família e, também dos carregamentos de cocaína e outros ilícitos, atuando também no tráfico internacional de armas e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. A atuação do grupo se estenderia ao Brasil, tendo a acusação apontado como indicativo, a oportunidade em que o réu ANTÔNIO teria se escondido na Fazenda Itapuã em Bela Vista/MS”, explicou.
Fuga espetacular
“Acerca do vazamento de operações e influência, cita a acusação que o réu ANTÔNIO teria conseguido escapar de duas grandes operações da Polícia Federal (Hélix e Magnus Dominus) em curto espaço de tempo, devido a informações antecipadas. Sua influência se estenderia ao poder executivo paraguaio, com o corréu IURI GUSMÃO chegando a fazer a segurança do presidente eleito do Paraguai a convite do réu ANTÔNIO”, apontou.
“A defesa argumenta que o réu ANTÔNIO não teria ligação com o tráfico de drogas ou a organização criminosa nos termos alegados pela acusação. Indica, ainda, que a denúncia, apesar de extensa, não descreveria minimamente as condutas criminosas atribuídas à suposta organização, impossibilitando o exercício pleno da defesa. Alegações de tráfico de armas não teriam nenhum suporte fático, e as de tráfico de drogas se baseariam nos mesmos fatos já tratados na Operação Hélix”, destacou o magistrado, sobre a defesa de Dom.
Os outros réus também negaram integrar a organização criminosa e tentaram anular as provas.
A pena de cada um
- Antônio Joaqum Mendes Gonçalves da Mota, o Dom ou Motinha, 32 anos: 11 anos, 3 meses e 5 dias no regime fechado;
- Iuri da Silva Gusmão, 33: 9 anos, 1 mês e 27 dias;
- Wanderlei Cunha Júnior, o Yama Cunha, 43: 8 anos, 3 meses e 20 dias;
- Jefferson Gustavo Corrêa Honorato, 37: 7 anos e 3 meses;
- Victor Gabriel Gomes Guimarães Romeiro, o Preto: 7 anos e 3 meses;
- Ygor Nunes Nascimento, o Romanov ou Roma, 38: 8 anos, 3 meses e 20 dias;
- Luís Guilherme Chaparro Fernnades, o Lugui, 38: 7 anos e 3 meses;
- Giorgio Otta, o Italiano: 7 anos e 3 meses;
- Daniel Ribeiro Siqueira Dias, o Dan, 29: 7 anos e 3 meses;
- Marcos Ismael Córdoba, 26: 7 anos e 3 meses;
- Nicolas Nikson Tscha, o Ceifador, 25: 7 anos e 3 meses;
- Aurelien Fabien Anthony Ferranti, 24: 7 anos e 3 meses.
O magistrado determinou a perda do cargo do cabo da PM de Mato Grosso do Sul, Yuri Nunes Nascimento. Também manteve a prisão preventiva de Gusmão, Cunha Júnior, Honorato, Romeiro e Nascimento. Dom está foragido e foi incluído até na lista de procurados da Interpol.