O ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, livrou o Banco do Brasil de pagar honorários de R$ 178,4 milhões – valor equivalente aos maiores prêmios pagos pela Mega-Sena – aos advogados Marcus Vinícius e Ana Carolina Abreu, filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva. A instituição federal foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul a pagar os filhos do magistrado, apesar de ter levado calote na ação.
Um dos beneficiados pelo honorário milionário seria o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apontado pela Polícia Federal como um dos operadores da venda de sentença em MS. Ele, os filhos do magistrado e o desembargador são investigados na Operação Ultima Ratio, deflagrada em 24 de outubro do ano passado, que elevou ao afastamento de Abreu e do desembargador Sideni Soncini Pimentel.
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A suspensão do pagamento foi revelada pelo jornal Correio do Estado e confirmado pelo O Jacaré. O “prêmio da Mega-Sena” dos advogados foi destacado no relatório do delegado Marcos Damato, da PF, que investiga a venda de sentenças no TJMS.
Apesar do devedor não ter pago a dívida, os advogados ingressaram com ação na Justiça para receber 10% dos honorários. O juiz de primeira instância negou o pedido. No entanto, a turma do TJMS, composta por dois desembargadores investigados, Divoncir Schreiner Maran e Marcos José de Brito Rodrigues, e Luiz Antônio Cavassa, condenaram o banco a pagar R$ 178 milhões.
“Houve violação ao artigo 85, §§ 2º e 10º, do CPC, pois a condenação em honorários advocatícios foi baseada em um proveito econômico inexistente, já que a dívida não foi extinta, contrariando o princípio da causalidade que deveria isentar o exequente dos ônus sucumbenciais”, afirmou Araújo, em despacho publicado na última sexta-feira (29).
O escândalo
O caso emblemático envolve uma ação do banco contra um casal de Três Lagoas por um título não pago de Cr$ 46,1 milhões em 12 de março de 1991 – há 34 anos. O processo foi suspenso pela inexistência de bens passíveis de penhora para a quitação do débito. Em novembro de 2018, há quase sete anos, a ação foi extinta por falta de movimentação nos últimos cinco anos e nenhuma das partes foi condenada a pagar honorários advocatícios.
Ainda em Três Lagoas, José Afonso Machado Neto, Patrícia Alves Gaspareto de Souza Machado e Geilson da Silva Lima ingressaram com ação cobrando honorários do Banco do Brasil. O juiz de primeira instância negou o pedido e houve recurso ao Tribunal de Justiça, já com os filhos de Vladimir Abreu da Silva como patronos da ação.
Em julgamento no TJMS, realizado em janeiro de 2021, a turma, composta pelos desembargadores Divoncir Schreiner Maran, Marcos José de Brito Rodrigues e Luiz Antônio Cavassa, deram provimento ao recurso e condenaram o banco a pagar o honorário de 10% do valor da dívida, que não foi paga pelos credores.
Conforme a PF, neste momento, o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, que foi alvo da Operação Ultima Ratio, já tinha um contrato com os credores, para receber o valor que exceder R$ 60 milhões.
Na fase de execução da sentença, um contador calculou o débito do débito com os advogados em R$ 126,3 milhões no dia 10 de fevereiro de 2021. O BB pediu recálculo e o valor a ser pago aos advogados está calculado em R$ 178,4 milhões.
Após perder todos os recursos no tribunal, o Banco do Brasil apelou ao STJ e conseguiu liminar para se livrar do pagamento. “Contudo, a Corte Especial deste e. STJ consolidou entendimento no sentido de que extinta a execução em razão da prescrição intercorrente, não se pode impor ao exequente o pagamento de ônus de sucumbência”, explicou o ministro.
“Nessa linha, ‘a causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens’”, destacou.
“A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens”, ponderou.
“Dessa forma, verifica-se que, de fato, o Tribunal de origem decidiu em contrariedade ao entendimento firmado por esta e. Corte Superior de Justiça, de modo que o acórdão recorrido deve ser reformado a fim de afastar a condenação à parte recorrente ao pagamento de honorários sucumbenciais”, concluiu o ministro.
O caso ainda pode ser julgado pela turma.