Odilon de Oliveira – Significa cortar ou ferir o próprio corpo. Não é crime, no Brasil. Logo, não existe pena para quem se automutila, a não ser o próprio sofrimento daí decorrente. A Constituição Federal proclama que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
O que a lei brasileira pune, nesse cenário, é a conduta de terceiro, consistente no induzimento, na instigação ou no auxílio material a automutilação. Diz o Código Penal: “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que a faça”. A pena é de seis meses a dois anos de reclusão.
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Se a instigação ou indução é praticada pela internet, essa ridícula pena passa a ser de um a quatro anos. Atualmente, vem se tornando cada vez maior o emprego da rede mundial de computadores para a prática desse crime e de outros semelhantes. A pena, como se vê, é simbólica, inobstante os danos sejam física e psicologicamente desastrosos para as vítimas e suas famílias.
A vítima, normalmente, tem desenvolvimento mental incompleto, pela menoridade, ou retardado, em decorrência de algum distúrbio psicológico. A depressão ou outro transtorno da saúde mental gerador de baixo nível de autoestima torna a pessoa vulnerável a esse tipo de indução. A presença da atitude familiar é fundamental em todos esses momentos.
Aliás, em todas as fases, desde a concepção. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores…”, no âmbito de uma paternidade responsável, diz a Constituição Federal. Do mesmo modo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, a Administração Pública, materializada no Estado (União, Estados e Municípios), tem o dever de dar assistência às famílias.
A família é, para os filhos, o link da vida inteira. Ela, a sociedade e o Estado devem priorizar a proteção, desde a fase embrionária, da criança e do adolescente. O diálogo na família é uma terapia de grupo, fundamental para a formação e o encaminhamento, nessas fases da vida. Não se corrige uma conduta com agressão física. A correção é necessária, claro. Um tapa ou espancamento não corrige aquilo que cabe a um beijo, a um abraço ou a uma relação de afeto corrigir.
A automutilação ou tentativa de suicídio resultante de induzimento, da instigação ou auxílio pode resultar ferimento de natureza grave ou gravíssima, situação em que a pena passa a ser de um a três anos, outra mesquinhez da lei.
No final, resulta em nada. Se a pessoa comete suicídio ou se a automutilação resulta em morte, a reprimenda é de dois a seis anos de prisão. A pena deveria ser igual à prevista para o homicídio simples, de seis a vinte anos de prisão.
Em qualquer situação, se a vítima é menor de 18 anos ou se sua capacidade de resistência é diminuída, por um motivo qualquer, a exemplo de uma doença mental ou de um momento de baixa estima, a pena é aplicada em dobro. Do mesmo modo, a lei impõe aumento até o dobro da pena se a instigação ou induzimento é realizado pela rede mundial de computadores.
Mensagens de aplicativos de internet se enquadram nesse aumento de pena. Diga-se o mesmo em se tratando de indução por telefonemas. Caso o autor desse delito seja líder ou administrador de uma rede ou comunidade virtual, há mais uma duplicação da reprimenda.
Mesmo assim, a pena é insignificante em razão da potencialidade do dano causado à vítima, à família e à sociedade em geral. Essas ocorrências acarretam grande insegurança no seio da sociedade e profunda dor no núcleo familiar.
Os males que percorrem as redes sociais não escolhem padrão familiar ou classe social. Obviamente, aquelas crianças ou adolescentes bem orientados pela família e pela escola têm maior capacidade de resistência. A integração família-escola aumenta a capacidade de discernimento e, em decorrência, de autodefesa.
No Brasil, a assistência materno-infantil, dever do Poder Público priorizado pela Constituição Federal, é uma das piores do mundo. Pior ainda quando se fala em necessidade de proteção especial. Quem pratica automutilação se enquadra nessa situação e precisa também de tratamento psicoterapêutico. Em situação de pobreza, a vulnerabilidade é muito maior e o acesso, na prática, é extremamente limitado.
A investigação criminal, em se tratando de prática por meio de plataformas digitais, depende de técnicas especiais, principalmente do afastamento do sigilo telemático ou telefônico, com prévia autorização judicial. Primeiro, a família ou o responsável deve comunicar o fato à polícia.
Trata-se de crime de ação pública incondicionada, pelo que o delegado e o Ministério Público não dependem de representação da vítima ou de seu responsável. Todavia, para investigar ou para oferecer denúncia, a autoridade precisa ter conhecimento dos fatos. Mensagens de aplicativos de internet são relevantes para o início do trabalho policial.