A Prefeitura de Terenos concluía o pagamento das notas fiscais e o prefeito Henrique Wancura Bucke (PSDB) já marcava reuniões com os empresários para receber a propina. Em investigação minuciosa, que incluiu o cronograma das licitações, conversas por meio de WhatsApp e quebra de sigilo bancário, o Ministério Público Estadual aponta vários repasses ao tucano, com valores que variaram de R$ 5 mil a R$ 255 mil.
A certeza da impunidade pelos integrantes da organização criminosa era tanto que existia até planilha dos pagamentos feitos ao prefeito, que teve a prisão preventiva decretada na última terça-feira (9) pelo desembargador Jairo Roberto de Quadros, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
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O magistrado acatou representação feita pelo procurador-geral de Justiça, Romão Ávila Milhan Júnior, baseado nas investigações feitas pela promotoria e pelo GECOC (Grupo Especial de Combate à Corrupção). A Operação Spotless é resultado do aprofundamento da Operação Velatus, deflagrada em 13 de agosto do ano passado, que prendeu o então secretário municipal de Obras de Terenos, Isaac Cardoso Bisneto.
“Impende salientar, inclusive, que os pedidos foram formulados de forma criteriosa, com ênfase em condutas diversas e individualizadas. Aliás, embora aqui figurem 32 investigados, as prisões preventivas são requeridas prudentemente apenas em desfavor de 16 deles. Ademais, são indicados 59 endereços desses mesmos investigados, entre residenciais e profissionais, sobre os quais se postula a expedição de mandados de buscas e apreensões”, ponderou Quadros, no despacho que levou para a cadeia 10 empresários envolvidos no esquema criminoso.
Prefeito propina
No despacho de 73 páginas, o desembargador detalha as negociações feitas entre o Bisneto, os empresários e Henrique Wancura. O primeiro passo da organização criminosa era fraudar a licitação. Em seguida, eles controlavam o pagamento, que era feito de acordo com o aval do prefeito. Após o depósito pela prefeitura, Henrique cobrava uma reunião. Os empresários sacavam o dinheiro e iam para a Prefeitura de Terenos.
A Angico Construtora, de Sandro José Bortoloto, de Campo Grande, ganhou a licitação para reformar a Escola Municipal Rosa Idalina Braga Barboza, por R$ 1.123.417,39. O certame foi acertado com o chefe de gabinete, Tiago Lopes de Oliveira. O empresário fez os projetos arquitetônico, elétrico e hidráulico e contratou a equipe para executar a obra 20 dias antes da abertura da licitação.
Logo após a prefeitura pagar duas notas, nos dias 14 e 16 de março de 2022, que totalizaram R$ 139,2 mil, o prefeito pede reunião com Bortoloto. Ele passa no banco, faz três saques de R$ 10 mil cada e se reúne com Henrique na prefeitura.
Em julho de 2022, a prefeitura repassa mais R$ 231,5 mil para a Angico. Pouco tempo depois, ao ser cobrado pelo prefeito, Sandro realiza novo saque de R$ 30 mil e comparece ao encontro com Henrique Wancura.
A empresa Base Construção, de Genilton da Silvas Moreira, ganhou o contrato de R$ 215,1 mil para reformar a Escola Municipal Isabel de Campos Widal. Logo após o pagamento de R$ 95,3 mil pela prefeitura, o tucano pede “ajuda” para o empreiteiro. Moreira saca R$ 6 mil para se reunir com o prefeito no dia 3 de agosto de 2022.
Em março de 2022, Genilton Moreira reclama com o chefe de gabinete de que estava sem dinheiro. Oliveira providenciou uma medição de uma obra, que teria dado R$ 196.995. Ele acabou colocando R$ 219,5 mil na nota fiscal, que foi paga superfaturada.
Após o pagamento, que teria demorado, o prefeito pediu a reunião. O empresário sacou R$ 5 mil e avisou que estava a caminho da prefeitura. De acordo com o MPE, ele ainda teria repassado R$ 6 mil para Isaac Bisneto.
Planilha da propina
Em outro caso, Genilton Moreira pede socorro novamente ao prefeito e consegue receber R$ 126 mil do município. Dez dias após o pagamento, o prefeito pressiona o empresário pela ajuda. Conforme o desembargador, Genilton saca R$ 6 mil antes de ir para a reunião com Henrique Wancura.
A Angico Construtora ganhou o contrato de R$ 2,788 milhões para a reforma e construção de escola em um assentamento rural. De acordo com a investigação do MPE, houve pagamento de propina equivalente a 7,5% do valor da obra. Sandro Bortoloto fez uma planilha com a propina paga ao tucano, inclusive dando detalhes de como foram realizados os repasses.
“No que se refere à corrupção do Prefeito, a propina supostamente solicitada e recebida por Henrique oriunda da fraude à Tomada de Preço 006/2022 teria totalizado a quantia de R$ 255.000,00, ou seja, aproximadamente 7,5% do valor total da obra licitada. Sandro, para subsidiar reunião com o prefeito, teria solicitado a seu enteado (…) a emissão de uma planilha, discriminado datas e valores pagos a Henrique, na qual consta os seguintes dados: 02/02/2023 – R$ 14.000,00; 09/02/2023 – R$ 9.000,00; R$ 24/03/2023 – R$ 35.000,00; 30/05/2023 – R$ 30.000,00; 27/07/2023 – R$ 17.000,00; 16/11/2023 – R$ 80.000,00 e 22/11/2023 – R$ 50.000,00, além de R$ 20.000,00 pagos após e emissão da planilha”, relatou o magistrado.
“Inclusive, conversas entre Eduardo e Sandro demonstram o encaminhamento dos comprovantes relacionados ao pagamento das propinas acima mencionadas, inclusive a relação das transferências com Henrique, citado como chefe nos diálogos entre os empresários. Conforme apurado a respeito da relação entre o prefeito e Eduardo, a empresa deste, Conect Construções, encontra-se situada no mesmo endereço da empresa Cerrado Ambiental, de propriedade de Henrique Budke”, destacou.
Houve o repasse de R$ 35 mil para Leonídia Alves Cardoso, avó de Isaac Bisneto. Houve também repasse para a Conecta, empresa de Eduardo Schoier, apontado como um dos testas de ferro do prefeito de Terenos.
A Operação Spotless cumpriu 13 dos 16 mandados de prisão preventiva e 59 mandados de busca e apreensão em Campo Grande e Terenos.