As investigações do Ministério Público Estadual que culminaram na Operação Spotless revelam que até um engenheiro “amigo íntimo” do então secretário municipal de Obras em Terenos, Isaac Cardoso Bisneto, participou do esquema de desvio de recursos públicos comandado pelo prefeito Henrique Wancura Budke (PSDB).
De acordo com mensagens captadas no celular de Isaac Bisneto, o secretário fez cobrança “veemente” para que um empresário fizesse o pagamento de suposta propina para o amigo Leandro Cícero Almeida de Brito. E em outra oportunidade, ao liberar pagamentos por serviços realizados, também cobrou: “Blz só não esquece do meu amigo kkk”. O valor desviado seria de 3% do total de medições.
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O engenheiro Leandro Cícero elaborou a documentação técnica que embasou a tomada de preços para contratação de empresa para construção do “Postinho” de Saúde da Família (ESF) no Assentamento Sete de Setembro, na zona rural de Terenos, no valor de R$ 995.702,82. A vencedora foi a HG Empreiteira, do empresário Hander Luiz Correa Grote Chaves.
Conforme decisão do desembargador Jairo Roberto de Quadros, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, a Procuradoria-Geral de Justiça aponta que Leandro teria recebido R$ 9 mil de Hander Luiz para elaboração da documentação do certame realizado em 2022.
No dia 13 de março daquele ano, um mês antes da abertura da licitação, Leandro teria enviado uma mensagem para seu amigo Isaac Cardoso Bisneto para informar que os projetos referentes à licitação do ESF Sete de Setembro estavam concluídos, relata o Ministério Público.
“Em seguida, Leandro solicita o pagamento que, no dia 14/03/2022, foi realizado pelo empresário Hander, no montante de R$ 3.000,00. Assim, Leandro encaminha a Isaac a documentação dos projetos de instalações, estrutura, lista de materiais e modelos 3-D da ESF Sete de Setembro, acompanhada da informação, só licitar”, descreve a investigação.
Em 28 de março, mesmo dia que é assinado um aditivo de contrato de Hander, Leandro recebe mais R$ 3 mil do empresário, após “veemente” cobrança de Isaac Bisneto, que intercedeu em favor do amigo engenheiro e, por fim, uma última parcela de mesmo valor, na data de 31 de outubro, foi repassada ao engenheiro, ambas por meio de pix.
A investigação trata ainda da Carta Convite nº 005/2022, que teve por objeto a contratação de empresa para execução de serviços de engenharia para substituição de pontes de madeira por galeria de concreto dividido em quatro lotes, sendo que para cada lote correspondeu a uma ponta de madeira do município, aberta em 11 de abril de 2022 e julgada no dia 25 do mesmo mês.
A empresa Sansão Inácio Rezende Eireli, de propriedade de Sansão Inácio Rezende, e a de titularidade de Genilton (Genilton da Silva Moreira – ME), foram as vencedoras, cada uma com dois lotes, o primeiro no valor de R$ 182.33,90 e o segundo R$ 126.096,50.
No dia 23 de março, 19 dias antes da abertura da carta convite, mensagens de WhatsApp com Isaac Cardoso Bisneto teriam apontado que favorecimentos a Sansão estariam atrelados a uma contribuição do empresário a seu amigo, o engenheiro Leandro Cícero, responsável técnico.
No dia 8 de julho de 2022 foi captado do celular de Isaac mensagem em que ele diz: “Blz só não esquece do meu amigo kkk”. Poucos dias após esse diálogo, nos dias 12 e 13 do mesmo mês, foram emitidas notas de empenho para pagamento dos serviços realizados por Sansão, referentes ao Lote 03 da Carta Convite nº 005/2022.
Segundo as investigações, uma série de mensagens de exigências por acordos financeiros entre Leandro e Sansão se desencadearam, com cobrança de 3% do valor das medições, entre dezembro de 2022 e julho de 2024.
O esquema de desvio de recursos públicos comandado pelo prefeito de Terenos, Henrique Wancura Budke (PSDB), contava com a participação de 22 empresas, sendo 12 do município e 10 de Campo Grande. As companhias e os sócios foram alvos, na terça-feira (9), da Operação Spotless, deflagrada pela Procuradoria-Geral de Justiça com o apoio do GECOC (Grupo Especial de Combate à Corrupção) e do Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado).
No total, o desembargador Jairo Roberto de Quadros autorizou 59 mandados de busca e apreensão e 16 de prisão preventiva. O tucano foi preso em casa e transferido para Campo Grande. O juiz Albino Coimbra Neto manteve a prisão do prefeito após a realização da audiência de custódia. Com isso, Wancura pediu afastamento do cargo.