O juiz Giuliano Máximo Martins, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, condenou quatro pessoas e duas empresas pelo superfaturamento na compra de reagente e desvio milionário no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul Rosa Pedrossian. O valor do dano será calculado na liquidação de sentença. Os réus deverão ressarcir os cofres públicos e pagar multa civil no mesmo valor.
No entanto, conforme a sentença prolatada na última terça-feira (30), o magistrado rejeitou a denúncia do Ministério Público Estadual de que houve desvio de R$ 6,3 milhões há nove anos. Ele considerou que não houve irregularidade no contrato de R$ 3,4 milhões.
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Já no Pregão 73/2016, no valor de R$ 2,817 milhões, o MPE comprovou que houve o dano ao erário. No entanto, o juiz ponderou que o Governo estadual utilizou parte do material adquirido. Ele também descartou o prejuízo de R$ 667,5 mil apontado em perícia do GECOC (Grupo Especial de Combate à Corrupção) porque só foi realizada em seis dos 23 itens adquiridos.
Por isso, o valor a ser pago pelo ex-coordenador do sistema de registros de preços, José Roberto Scarpin Ramos, do ex-superintendente regional de Gestão de Compras, Marcus Vinícius Rossettini de Andrade Costa, da empresária Michela Ximenes Castellon, sócia da Neo Line Produtos e Serviços Hospitalares, e de Carlos Almeida de Araújo, representante da Lab Pack Brasil, ainda será definido.
As duas empresas também foram condenadas a ressarcir os danos e ao pagamento de multa civil e ficarão proibidas de contratar com o poder público pelo período de até quatro anos. No entanto, a execução ainda deve levar mais alguns anos já que a Justiça vai realizar o levantamento para apurar o real valor desviado do HR.
Denúncia grave
“O Ministério Público destaca que as fraudes somente foram possíveis em razão da participação dos servidores públicos José Roberto Scarpin Ramos e Marcus Vinicius Rossettini de Andrade Costa, responsáveis por autorizar alterações, suspensões e chancelar os valores contratados”, pontuou o magistrado ao longo da sentença de 51 páginas.
Martins destacou o fato da equipe da Secretaria Estadual de Administração ter esquecido apenas a cotação da MedComerce, que, coincidentemente, era a de menor valor. “E conforme já explanado, não se pode alegar que a cotação da MedComerce tenha sido ‘esquecida’ ou substituída pela nomenclatura ‘Central de Compras do Estado – Preço de Ata Vigente’, uma vez que, de forma seletiva, justamente os reagentes em que seus preços eram superiores e/ou semelhantes aos da Lab Pack e da Neo Line foram inseridos no mapa comparativo, distorcendo o resultado para fins de superfaturamento”, contestou.
“A manipulação do mapa comparativo de preços, ao excluir as propostas mais vantajosas para diversos reagentes, elevou artificialmente a média de referência”, apontou o magistrado.
Outro ponto foi a pressa do grupo em elevar o valor do contrato. “O prazo excessivamente reduzido – 35 dias – para alteração deum contrato supostamente irreajustável demonstra o planejamento prévio da manipulação, uma vez que contratos dessa natureza, quando necessitam revisão, demandam justificativas técnicas e econômicas que normalmente exigem prazo superior para análise e formalização”, alertou.
“No aspecto objetivo, a cronologia do pregão n. 73/2016 revela uma sequência encadeada de condutas: (i) manipulação seletiva do mapa comparativo de preços; (ii) suspensão estratégica do certame após pedido da empresa interessada; (iii) aumento direcionado de quantitativos; (iv)homologação em favor da Neo Line; e (v) celebração de aditivo precoce em contrato supostamente irreajustável”, elencou as irregularidades.
“A cronologia do pregão n. 73/2016 revela uma sequência encadeada e coordenada de condutas fraudulentas praticadas em conluio entre os réus José Roberto Scarpin Ramos, Marcus Vinicius Rossettini de Andrade Costa, Neo Line Produtos e Serviços Hospitalares LTDA, Michela Ximenes Castellon, Carlos Almeida de Araujo e Lab Pack do Brasil Produtos Hospitalares LTDA”, reforçou.
“Quanto ao processo licitatório 55/000.420/2016 – Pregão eletrônico n. 76/2016 – ata n. 126/2016 conclui-se pela improcedência do pedido. Com efeito, não foram produzidas provas de direcionamento, superfaturamento ou conduta dolosa, tendo a Administração agido nos estritos limites da legalidade e do poder discricionário que lhe é conferido”, ressaltou, descartando a denúncia de desvio de R$ 3,4 milhões.
“Já em relação ao processo licitatório n. 55/000.330/2016 –Registro de Preços para Aquisição de Reagentes Laboratoriais – Pregão Eletrônico n. 73/2016 – SAD, o prejuízo ao erário está comprovado pelas provas produzidas nos autos, notadamente pelo sobrepreço verificado nos itens contratados, o que, em princípio, representa indício suficiente de dano decorrente da contratação. Todavia, a real extensão do dano não se encontra integralmente delimitada, haja vista que o próprio mapa comparativo de preços apresentado nos autos mostra-se viciado, comprometendo a mensuração precisa do alegado prejuízo”, concluiu o juiz Giuliano Máximo Martins.
“Neste cenário de incerteza quanto ao valor exato do dano, a remessa da questão à fase de liquidação de sentença é a medida mais adequada. Somente por meio de uma perícia técnica especializada será possível verificar, de forma segura, quais itens apresentaram sobrepreço e qual o montante efetivamente despendido acima do valor de mercado, garantindo a integral recomposição do erário e a observância ao devido processo legal”, determinou.
“Os requeridos não apenas causaram prejuízo ao erário, mas o fizeram traindo a confiança que a sociedade deposita em seus gestores públicos. Os agentes públicos envolvidos utilizaram-se de suas posições privilegiadas e de seus conhecimentos técnicos na Superintendência de Gestão de Compras e Materiais, um setor estratégico para a administração, não para servir ao interesse público, mas para manipular os certames. Agiram em conluio com as empresas para garantir a contratação de licitantes específicas por preços superiores aos de mercado, em detrimento dos cofres públicos e dos princípios da isonomia e da competitividade”, ressaltou o magistrado.
O MPE e os réus poderão recorrer da sentença.