O juiz André Luiz Monteiro absolveu servidores, empresários e até mãe de cantor sertanejo acusados de desviar R$ 13,2 milhões da Agepen (Agência Estadual de Gestão do Sistema Penitenciário). Conforme o magistrado, o Ministério Público Estadual comprovou “apenas falhas procedimentais e fragilidades administrativas”, sem demonstrar ter ocorrido crime de improbidade.
Em substituição na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, André Luiz Monteiro considerou que tampouco se configurou violação dolosa a princípios da administração, já que as falhas constatadas “se limitam ao campo procedimental e não revelam intenção desonesta”.
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De acordo com o MPE, a união de seis servidores e seis empresários rendeu fraudes em contratos e desvio de dinheiro público entre 2014 e 2015.
O suposto esquema contava com o coronel Deusdete Souza de Oliveira Filho (então diretor-presidente), Pedro César Figueiredo de Lima (então diretor de Administração e Finanças), Eliane da Silva (assessorava a presidência da Agepen), Maria Granja Macedo (então chefe da Divisão de Compras), Roseli Ribeiro Figueiredo (responsável pelo Núcleo de Compras) e Paulo Freire Thomaz (chefe do setor do almoxarifado).
No grupo dos empresários, os denunciados são Geni Fabrício Ajala, Paula Sue Whitsell, Tânia Regina Cortez Calux (mãe do cantor Munhoz, da dupla Munhoz e Mariano), Frederico Jorge Cortez Calux, Fernando Augusto Cortez Calux e Izolito Amador Campagna Junior.
Geni e Paula são donas Whitsell & Fabricio Ltda, fornecedora de produtos hortifrutigranjeiros. Tânia, Frederico e Fernando são da empresa Comercial T&C Ltda, com fornecimento de materiais de higiene e limpeza, gêneros alimentícios, colchões e cobertores. Izolito é da Campagna Júnior e Cia. Ltda, empresa responsável pelo fornecimento de diversos itens alimentícios e de limpeza.
Após procedimentos falsos de compras, os empresários são acusados de emitirem notas fiscais frias. A gestão que sucedeu Deusdete identificou a necessidade de vários materiais nas unidades penais, mas que já constavam como adquiridos e pagos.
Na sequência, levantamento mostrou uma alta nos gastos durante a passagem dele pelo cargo de diretor-presidente. A despesa para determinados produtos variou de R$ 9 milhões a R$ 11 milhões entre os anos de 2012 e 2013. Em 2014, a subida foi vertiginosa: R$ 22 milhões. No ano seguinte, com ele já fora do cargo, o gasto caiu para R$ 5 milhões, apesar da maior população carcerária.
Segundo o MPE, houve o pagamento de R$ 2,993 milhões por 11.430 colchões. No entanto, o almoxarifado registrou a entrega de apenas 2.793 unidades (24,4% do total previsto). Também houve desembolso de R$ 3,078 milhões com material de construção, que não teriam sido entregues.
Sem crime
De acordo com a sentença do juiz André Luiz Monteiro, de 30 de setembro, os depoimentos revelaram que o relatório em que se baseou a denúncia não contém prova de desvio de recursos ou de fornecimentos fictícios, limitando-se a levantar indícios administrativos.
“Em contrapartida aos indícios meramente formais apontados pelo relatório de auditoria, testemunhas que efetivamente atuavam no cotidiano do sistema prisional confirmaram a regularidade do abastecimento, lançando dúvida significativa sobre a narrativa acusatória”, relata o magistrado.
Além disso, testemunhas de defesa, agentes penitenciários, motoristas e diretores confirmaram a entrega semanal de produtos, a conferência pelos servidores e a inexistência de desabastecimento nas unidades.
“O próprio chefe do almoxarifado, Paulo Freire Thomaz, confirmou esse procedimento ao esclarecer que muitos produtos eram entregues diretamente nas unidades prisionais, cabendo aos diretores locais o atesto de recebimento”, informa.
“Esse detalhe é crucial porque demonstra que a ausência de determinados registros não significa ausência de entrega, mas apenas deficiência de controle administrativo”, argumenta.
“Tais depoimentos não permitem afirmar com absoluta segurança a plena regularidade das entregas, mas tornam plausível que os produtos tenham efetivamente ingressado no sistema prisional, ainda que não se possa precisar se em quantidades exatas ou suficientes. Essa dúvida, por si só, impede qualquer conclusão de desvio ou fraude dolosa”, pondera.
“A responsabilização por improbidade, por ter natureza sancionatória, exige a demonstração do ilícito por meio de provas firmes, cabais e individualizadas, o que não se verifica no caso concreto. A existência de dúvidas quanto à origem dos valores não pode ser interpretada em desfavor do réu para fins condenatórios, sob pena de violação aos princípios da legalidade estrita, do devido processo legal e da segurança jurídica”, fundamenta.
“Condenar os réus nessas circunstâncias significaria punir falhas administrativas como se fossem improbidade, em descompasso com a lei vigente, com a jurisprudência consolidada e com os princípios constitucionais da legalidade estrita, da proporcionalidade e da segurança jurídica (art. 1º, §4º, da LIA)”.
“A prova produzida revelou apenas falhas procedimentais e fragilidades administrativas, insuficientes para atrair a incidência da Lei nº 8.429/1992, em sua redação atualizada pela Lei nº 14.230/2021. […] Nessa linha, a pretensão ministerial permanece fundada em presunções e conjecturas, não em provas robustas e individualizadas, o que se revela incompatível com as exigências do regime jurídico atual da improbidade administrativa”, define.
O juiz André Luiz Monteiro julgou improcedente a denúncia contra todos os réus e determinou a revogação de todas as medidas cautelares eventualmente impostas durante o curso do processo, especialmente aquelas que tenham resultado em bloqueio de bens.
O Ministério Público Estadual pode recorrer da sentença.