A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul decretou a falência de três produtores rurais que estavam em recuperação judicial desde dezembro do ano passado. Com R$ 58,9 milhões em dívidas, o trio sofreu derrota na corte porque apresentou o Plano de Recuperação Judicial com atraso de 11 dias.
A convolação da recuperação judicial em falência é inédita na onda de processos de recuperação judicial do agronegócio. A reviravolta ocorreu no julgamento ocorrida na última quinta-feira (9) na 5ª Câmara Cível do TJMS. A decisão foi unânime, com o voto do relator, desembargador Alexandre Raslan, e dos desembargadores Luiz Antônio Cavassa de Almeida e Vilson Bertelli.
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A decisão ainda cabe recurso no Superior Tribunal de Justiça. No entanto, caso não consiga reverter o julgamento, a Justiça vai colocar a venda todos os bens dos produtores para garantir o pagamento dos credores.
O tribunal acatou pedido do Sicredi e decretou a falência dos produtores rurais Renato Felipe Pinheiro, Paulo Alexandre Moraes e Sara Maria França Martins. O pedido de recuperação foi deferido pela Vara de Falências e Recuperações Judiciais no dia 16 de dezembro do ano passado. O plano de recuperação judicial deveria ser apresentado até 14 de fevereiro deste ano, mas só teria sido protocolado no dia 25.
“Os Recuperandos apresentaram manifestação às fl. 2236-2246, alegando que o atraso de 11 dias na apresentação do plano ocorreu devido à conturbada tramitação do feito, que foi marcada pela incerteza em relação aos efeitos da decisão que deferiu o processamento da RJ. Alegam, ainda, que a tentativa de suspensão da declaração da essencialidade por meio de medidas recursais, aliada à necessidade de apresentação de laudos de viabilidade econômica e de fluxo de caixa projetado, acabaram por culminar no atraso na confecção do PRJ”, pontuou o relator.
“Analisando a decisão agravada e seus fundamentos, as razões do recurso e os documentos pertinentes, verifico que é caso de dar provimento ao recurso, uma vez que os argumentos lançados no recurso são aptos para alterar o decidido em primeiro grau”, analisou o desembargador Alexandre Raslan.
“O art. 53, caput, da Lei nº 11.101/2005 (Recuperação Judicial) dispõe que o prazo para a apresentação do plano de recuperação judicial é de 60 dias contados da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação – improrrogáveis –e seu descumprimento acarreta a convolação da recuperação judicial em falência”, destacou.
“O descumprimento desse prazo conduz à consequência prevista no art. 73, inc. II, da Lei nº 11.101/2005 (Recuperação Judicial), qual seja, a convolação da recuperação judicial em falência”, afirmou.
“Acerca do descumprimento do referido prazo de 60 dias, o art. 53, caput, da Lei nº 11.101/2005 (Recuperação Judicial) é claro ao prever que o descumprimento esse prazo improrrogável deve levar à convolação em falência, segundo a corrente jurisprudencial Tribunais de Justiça brasileiros”, ressaltou, frisando que os credores também possuem direitos.
“Tal consequência, drástica à primeira vista, pode parecer contrária ao objetivo primordial de preservação da empresa. Contudo, também está alinhada com a garantia da proteção aos interesses dos credores, que não podem ficar à mercê do devedor, evitando que o processo se prolongue sem uma perspectiva concreta de solução. A falência, nesse contexto, é o caminho para uma liquidação organizada, buscando minimizar os prejuízos e satisfazer os créditos na medida do possível”, explicou.
“Trata-se, portanto, de prazo peremptório, improrrogável, arrematado com consequência única – o que impede e, mais do que isso, afasta qualquer outra alternativa, sob pena do Poder Judiciário atuar como legislador positivo”, concluiu.
Crise no agronegócio, estiagem e queda de preços
O pedido de recuperação judicial foi protocolado pelos advogados Rodrigo Gonçalves Pimentel, Lucas Gomes Mochi, Beatriz Rombi Garcia da Silva e Diego Baltuilhe dos Santos. Conforme a petição, Pinheiro, Moraes e Sara atuam no setor há 15 anos. No entanto, os investimentos começaram em 2019 com o arrendamento de 200 hectares de uma fazenda em Rio Verde do Mato Grosso.
Nos anos seguintes, eles ampliaram o arrendamento para o cultivo de soja, milho safrinha e a criação de gado. As primeiras dificuldades ocorreram com a escassez do crédito em 2023. Outro problema foi a queda na cotação da saca de soja, que ficou em torno de R$ 100 a saca, uma das cotações mais baixas dos últimos tempos.
“Enfrentaram um significativo revés, com a apreensão injusta milhares de sacas de soja devido a problemas judiciais envolvendo terceiros, ex-arrendatários da área. Discussão esta que ainda se arrasta nos tribunais mediante embargos de terceiro. Esse evento gerou um impacto financeiro sensível em um momento crucial para o crescimento da parceria”, contaram, sobre o agravamento da crise.
“Entre 2019 e 2024, o grupo enfrentou crises hídricas e do preço das commodities que impactaram tanto na produção de grãos quanto na atividade pecuária. A seca prolongada e a retração no mercado do boi agravaram os desafios financeiros, culminando em quebras de safra significativas. Em 2023 e 2024, a situação se intensificou com a redução drástica na produção devido às adversidades climáticas e à alta nos custos de insumos e operações, comprometeu o desempenho econômico do grupo”, pontuaram os advogados.
“A região sofreu com escassez de chuvas e estiagens severas, condições agravadas pelo fenômeno El Niño, que trouxe temperaturas elevadas e precipitações abaixo da média em 2023 e 2024”, destacaram.
“Nesse sentido, o procedimento de Recuperação Judicial é estritamente necessário para viabilizar a superação da crise de liquidez momentânea e o prosseguimento de seus projetos, estando seguro acerca do atingimento com êxito dos seus propósitos empresariais e o almejado soerguimento empresarial”, pediram.
“Conforme exposto no tópico anterior o setor da agricultura e pecuária vem sofrendo com o aumento dos custos de insumos e queda no preço da arroba do boi, causando, inexoravelmente o achatamento do preço do bezerro e o aumento no custo da produção”, frisaram.
Os débitos somavam R$ 58.990.162.90. O pedido foi deferido pela Justiça. Em maio deste ano, eles pediram a extensão do prazo de 180 dias de suspensão de cobranças e ações judiciais. O objetivo era ter mais seis meses para renegociar com fornecedores e tentar recuperar a agropecuária.
Com a convolação da recuperação judicial em falência, o trio de produtores rurais passa a ter um novo desafio, anular a falência.