Pré-candidato a governador de Mato Grosso do Sul pelo PDT, o juiz federal Odilon de Oliveira, 68 anos, nunca teve vida fácil. Da fuga da seca no agreste pernambucano, em uma viagem feita por 16 dias em um pau de arara junto com os pais e três irmãos, até fama nacional ao inspirar o filme gravado por atores globais, ele só fugiu de um grande desafio na carreira de magistrado: conduzir a Lama Asfáltica, a maior operação de combate à corrupção do Estado.
Com 1,6 metro de altura, fala mansa e pausada, Odilon condenou os barões do tráfico de drogas na fronteira com o Paraguai. Vivendo sob proteção da Polícia Federal 24 horas por dia há 19 anos, em decorrência das ameaças de morte de narcotraficantes, ele não pretende vestir o pijama ao se aposentar após 31 anos de carreira na Justiça Federal no dia 5 de outubro deste ano.
Acostumado a não fugir dos desafios, Odilon decidiu enfrentar os caciques da política regional. Apesar de neófito na política, estreia com estatura de gigante, ao ficar em segundo lugar nas pesquisas de opinião, empatado tecnicamente com o líder, André Puccinelli (PMDB), ex-prefeito da Capital e ex-governador por duas ocasiões, e na frente do governador Reinaldo Azambuja (PSDB).
O patrimônio
Com três décadas de carreira na Justiça Federal, Odilon mora em sobrado de 450 metros quadrados localizado no Jardim Bela Vista, um dos bairros mais nobres da Capital.
Vizinho do ex-presidente do Tribunal de Contas, o conselheiro aposentado Cícero de Souza, e da família Zahran, donos da TV Morena e Copagaz, ele conta que comprou o terreno por US$ 32 mil dólares no início dos anos 90. Levou 15 anos para construir a casa.
Na declaração como patrimônio, vai incluir uma casa em Cuiabá, que dividiu em duas para dar de presente a dois irmãos.
Contudo, quando nasceu em 1949, no casebre no vilarejo Serra do Araripe, distrito de Exu, no agreste pernambucano, o primeiro desafio na vida de Odilon foi vencer a miséria, a seca e a fome.
Em busca da sobrevivência, o agricultor Expedito e esposa Domercília mudaram-se com os quatro filhos para Jaciara (MT), onde conseguiram um sítio de 12 hectares. A viagem durou 16 dias. O casal teve mais quatro filhos.
Até os 16 anos, Odilon trabalhou na roça com os sete irmãos, onde cultivavam produtos da subsistência, como arroz, mandioca e feijão. Alfabetizado em casa, Odilon fez o ensino fundamental em regime de internato em Cuiabá (MT). Ele voltou a Jaciara para frequentar o ensino médio, o Normal.
Em 1974, mudou-se para Campo Grande para cursar Direito na Fucmat (atual UCDB), onde estudava à noite. Para custear os estudos, ele foi, por três anos, professor em Sidrolândia – a 70 quilômetros da Capital.
Formado, Odilon ingressou como procurador federal na Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento), onde permaneceu por dois anos e meio.
Depois, conseguiu ser aprovado no concurso para promotor de Justiça estadual e atuou em Miranda. Como o Ministério Público Estadual ainda não tinha autonomia na época, revoltou-se com as interferências políticas e pediu exoneração após permanecer um ano em Miranda.
Único dos oito irmãos a chegar à universidade, Odilon passou em concurso para juiz estadual. Permaneceu por quatro anos e atendeu em vários municípios do interior, como Bonito e Ivinhema, até ser aprovado no concurso de juiz federal em 1986.
Como juiz federal, ele trabalhou nos estados de Rondônia e do Mato Grosso. Em Mato Grosso do Sul, no primeiro grande desafio, ele fez a diferença ao ser designado para atuar em Ponta Porã, onde condenou os barões do tráfico de drogas.
Antes da chegada do magistrado pernambucano, a região tinha figuras míticas, como o empresário Fahd Jamil, conhecido como o “rei da fronteira” que acabou sendo condenado a 28 anos por sonegação fiscal, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Ele acabou sendo absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Com a nova lei de combate à lavagem de dinheiro em 1998, Odilon de Oliveira tornou-se titular da 3ª Vara Federal de Campo Grande e ampliou a ofensiva contra o crime organizado. Ele estima que foram confiscados aproximadamente R$ 2 bilhões de organizações criminosas, como 18 aviões, fazendas, carros de luxo, mansões e apartamentos.
Como corregedor do presídio federal, ele conduziu o processo de extradição do narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, chefe do cartel Valle del Norte, que chegou a ser considerado o segundo homem mais perigoso do mundo pelo FBI, só atrás de Osama Bin Laden. Ele tinha submarino para transportar cocaína aos Estados Unidos e é acusado por 300 assasssinatos.
Odilon ganhou fama nacional e até inspirou o filme “Em Nome da Lei”, onde foi interpretado pelo ato Matheus Solano.
Por outro lado, a fama lhe custou à liberdade. Devido aos vários planos descobertos para matá-lo, o magistrado tem a vida vigiada e escoltada 24 horas por dia pela Polícia Federal.
Se por um lado a vida é glamourosa, de estar escoltado sempre por policiais federais, por outro, custa a liberdade, de não conseguir realizar um simples passeio com a esposa, Maria Divina, com quem é casado há 42 anos, dos quais metade sob vigilância permanente.
Odilon de Oliveira recusou a chance de se transformar na versão pantaneira de Sérgio Moro, o juiz paranaense responsável pela Operação Lava Jato, que vem sacudindo a república brasileira.
O magistrado se declarou suspeito e abriu mão de conduzir a Lama Asfáltica, iniciada julho de 2015 e que já apontou indícios de desvio de R$ 230 milhões dos cofres públicos. “Eu me declarei suspeito, porque um dos investigados é meu conhecido há muito tempo”, justifica-se.
A causa da suspeição é o ex-governador André Puccinelli, do qual não é amigo, mas mantém relações desde quando era médico em Fátima do Sul e ele juiz estadual em Ivinhema. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região designou um substituto para a função.
“Mandei escrever na capa do processo, proibido acesso ao juiz Odilon de Oliveira”, diz, sobre a linha adotada para se manter longe das investigações que vem devastando reputações de empresários, milionários e políticos poderosos em Mato Grosso do Sul.
Sem carteira de motorista
Logo após obter a aposentadoria, ele tentou renovar a carteira de motorista, já que não dirige há duas décadas. Descobriu, ao consultar o Detran, que deve iniciar o processo como se fosse tirar a CNH pela primeira vez.
Ele deixou de dirigir desde que passou a ser escoltado pela PF há 19 anos.
Barões do tráfico traçaram vários planos para executá-lo, o que obrigou a aceitar a escolta 24 horas da PF
Outro calcanhar de Aquiles de Odilon é o rumoroso processo envolvendo Jedeão de Oliveira, que foi seu chefe de gabinete por 21 anos. Ele é acusado de ter desviado recursos da Justiça Federal nos últimos 10 anos.
“Era de extrema confiança”, admite o magistrado. Ele diz que o ex-assessor decepcionou toda a Justiça Federal.
Os desvios foram descobertos por duas funcionárias, que comunicaram a suspeita a Odilon. Ele conta que fez uma varredura e confirmou a denúncia. Em seguida, determinou investigação da PF, a demissão e a varredura pela corregedoria do TRF3.
Atualmente, o ex-chefe de gabinete responde a ação penal e pode ser obrigado a devolver R$ 10 milhões aos cofres públicos.
Magistrado já correu meia maratona
Odilon também é preocupado com a saúde e mantém uma rotina de atividade física. Além da academia, ele corre de cinco a sete quilômetros por dia na esteira. Conta que já chegou a ter desempenho melhor, ao conseguir correr uma meia maratona, 21 quilômetros.
Apesar de juiz ter direito a duas férias por ano, ele sempre trabalhou. Acostumado a rotina de trabalhar de segunda a segunda, diz que sempre trabalhou nas férias.
Ao se aposentar do Judiciário aos 68 anos, Odilon de Oliveira optou pela vida política. “Não quero ficar sem fazer nada, quero ser útil ao povo, servir ao povo”, justifica, já adotando um discurso mais político.
Para mudar de vida, ele precisou escolher um partido. Com praticamente toda a classe política envolvida em denúncias de corrupção, optou pelo PDT, um dos poucos a não entrar na mira das operações de combate à corrupção no País.
“Não me filiaria a partido com marca de corrupção”, diz, referindo-se ao PT e ao PMDB.
Odilon não teme ser confundido com a atual classe política, que não fica mais envergonhada ao se ver enrolada em denúncias de desvios de dinheiro público. “Vou manter os princípios morais e éticos”, promete. “O que desgosta o povo é ausência de ética, transparência e eficiência no serviço público”, avalia.
“As pessoas precisam tirar os sujos e colocar os limpos, refletir neste sentido”, recomenda, sobre como começar a mudar a política brasileira. “O eleitor não pode desistir de votar, tem que escolher, incentivar a troca até acertar”, diz, rebatendo o movimento de que não vale a pena votar e incentivando o voto nulo.
Odilon tem ciência de que receberá ataques na campanha eleitoral. O Correio do Estado, do ex-candidato a senador Antônio João Hugo Rodrigues, já o acusou de ser ligado à contravenção. “Sou a favor da liberdade de imprensa, mas é falta de responsabilidade me acusar de ligação com o jogo do bicho”, defende-se, atacando.
Ciente do potencial do juiz aposentado, os adversários recorrem a outros dois ataques: falta de experiência e ligação com a esquerda.
Odilon cita a experiência como diretor de foro, o cargo de administrador da Justiça Federal, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, como exemplo de quem tem condições de assumir cargos no Executivo. Ele cita ainda os conhecimentos das leis e o julgamento de casos envolvendo corrupção no poder público.
Sobre o fato de ser de esquerda ou direita, ele diz que não vê diferença em ideologia. “Existe discussão de ideias”, diz, sem se considerar de direita, de centro ou de esquerda.
Com o lançamento da pré-candidatura neste sábado, Odilon definitivamente entra na mira dos adversários políticos, que já sinalizam disposição de sobra para desconstruir a fama de herói.
2 Comentários
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Vai ser difícil, se não impossível, desconstruir a imagem do juiz Odilon. Só o fato dele não ser subserviente à Grande Mídia, vale nota 10. Não sair candidato pelo PMDB ou PSDB, outra nota 10. No PDT, vale pela boa companhia de Leite Schmidt. Discreção (só falar nos autos a respeito de casos em julgamento) é ouro.