Mário Pinheiro, de Paris
Quem tem honra e princípios morais, não troca a liberdade por dinheiro, nem pela dignidade, nem por condições efêmeras, nem pela fuga, muito menos pelo subterfugio judicial. Para Sócrates e seu mais popular discípulo, Platão, a virtude é algo acima de qualquer riqueza humana, é uma super qualidade.
Sócrates, acusado injustamente por dois invejosos de seu tempo, manteve-se calmo, dizia que “desobedecer a lei é manifestar um espírito de desobediência ao conjunto do sistema jurídico”. O pai da maiêutica, Sócrates, diz que a virtude pode ser ensinada, é a arte da pedagogia. Ele aceitou a condenação de seu tempo, morreu. O cinismo vivido e ensinado por Diógenes de Sinope não entra no rol das virtudes embora ele tenha vivido como um sem-teto.
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Temos por exemplo, a epopeia de Ulisses contada por Homero, vista como a virtude do guerreiro que enfrenta a dor da separação imposta por Poseidon. Depois do naufrágio, na luta por recobrar a memória de que era casado, retorna aos braços de sua adorável Penélope 20 anos depois, mas a aventura de Ulisses, tão distante de sua ilha Itaque, ao lado da mitologia e da legenda, vem banhada de algumas mentiras reveladas por Horkheimer e Adorno na dialética da razão. Esta mentira é mencionada por Nietzsche ao afirmar que “estamos acostumados a mentir desde nossos ancestrais”.
Em seguida entra a violência nua e crua presente na história de Ulisses e violência não casa com virtude. Para os alemães é dialético. E a razão na dialética não excede a compreensão. Emanuel Kant afirma que existe somente uma virtude e que seu contrário é o vício. O papel do vício é derrubar qualquer virtude, é dialético. Na dialética violenta de uma guerra é que um grupo pede paz enquanto outro, pelo vício de produzir e vender armas, enche a conta bancária distante da virtude.
Ao falar de violência é necessário procurar onde estaria a virtude da polícia e de bandidos. A primeira, mata negros e debocha dos direitos fundamentais do ser humano, o segundo simplesmente não sabe o que é trabalho e se deita sobre o vício da cocaína.
Tudo que resulta da opressão, da violência, da crueldade, de tiranias e injustiças, não possuem virtude para Horkheimer e Adorno. Essas ‘des’qualidades repousam sobre o fascismo. Virtude vem de berço, da boa orientação e educação dos pais. Rousseau retoma esta virtude cívica como sendo a expressão do engajamento moral com a sociedade.
Thomas Jefferson, grande leitor de Rousseau e defensor da independência americana, acrescenta que a virtude cívica é moral, intelectual, espiritual, ela torna perfeita o desejo de justiça, de paciência e de moderação. Mas a kukluxklan que perseguia negros e os queimava depois da tortura, nunca teve virtude embora se autoproclamasse protestante assim como o Macartismo que fazia uma caça aos que pensavam diferente como se fosse Dom Quixote numa batalha de vento, mas contra o anticomunismo. Virtude não é enfiar uma bíblia sob o braço, vomitar versículos e dar glória pela intolerância.
Em Maquiavel a virtude é o conjunto de qualidades que o príncipe deve ter para conquistar o poder, consolidá-lo e garantir a estabilidade. Ela vem ligada a certos valores morais partilhada por quem apresenta coragem, determinação, agilidade, pragmatismo e audácia. O homem, ou o político, sem virtude é como saco vazio sem nada a oferecer. Maquiavel possuía sua guarda pessoal, era republicano e pretendia uma mudança de sistema político sem o controle da igreja de seu tempo. Para Montesquieu a virtude deve estar no centro das atenções de um governo para evitar as insurreições numa eventual troca de regime pelo despotismo ou a tirania.
Ao exibir metralhadora por um presidente e desejar a instalação de um sistema dominado por uma família oligárquica, um autoritarismo militar pra terminar o trabalho sujo, incompleto, do período ditatorial brasileiro, está sinal de completa ausência de virtude e de inteligência. É simplesmente loucura, alucinação e demência.