Os novos depoimentos na CPI do Consórcio Guaicurus na Câmara Municipal de Campo Grande reforçaram que o Relatório de Monitoramento dos Índices de Desempenho (Remid), que classificou de “bom” a “excelente” o transporte público na Capital, não passa de fantasia. Ainda mais tendo em vista que as empresas que controlam o serviço receberam 1.726 multas só em 2025. Até denúncia anônima de servidor surgiu.
Os vereadores ouviram os depoimentos do ex-auditor-chefe da unidade de Auditoria da Agetran, Henrique de Matos Moraes, e Luiz Carlos Alencar Filho, servidor efetivo aposentado que atuou como fiscal de transporte e trânsito da Agência Municipal de Transporte e Trânsito, na segunda-feira (12). Ambos destacaram que apenas cumprem o contrato de concessão do transporte público da Capital, firmado em 2012, na gestão Nelsinho Trad (PSD), mas que o serviço apresenta falhas.
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Henrique Moraes atualmente é diretor de Transportes e Mobilidade Urbana da Agetran. Ele informou que o “Remidi é o cardápio de escopo de auditoria”, ou seja, os auditores verificam os itens da lista e escolhem qual deles passará por auditoria. Porém, esta é a primeira vez em quase 13 anos que o serviço será auditado, começando pelo “Índice de Cumprimento de Viagem”.
“A primeira auditoria está sendo feita agora. O Remidi é ‘cara-crachá’ do edital. Não consigo fazer auditoria de todos os indicadores. Eu faço um por vez”, declarou o ex-chefe da Auditoria.
Durante o depoimento, houve um pequeno bate-boca entre a vereadora Luiza Ribeiro (PT), inconformada com a falta de efetividade da equipe de auditoria, e Henrique Moraes, quando este foi questionado sobre sua remuneração. Houve até intervenção da plateia para que o depoente não respondesse. No fim, ele disse que seu salário é de cerca de R$ 21 mil.
O diretor de Transportes informou que neste ano foram emitidos 1.726 autos de infração contra o Consórcio Guaicurus. Os motivos que mais resultaram nas multas foram o descumprimento do horário de viagem (593); omissão de chegada do ônibus (178); omissão de saída (164); omissão de viagem (144); e falta de veículo reserva (110).
Henrique explicou que as omissões de chegada e saída são verificadas em determinados “pontos de verificação” do trajeto no horário estabelecido. “É quando o carro não passa, quando não tem o ônibus. Ele teria que chegar no terminal e ele não chega. Ele teria que sair do terminal ou ele não sai”, relatou. “Não é atraso, quando ele chega atrasado é outra tipificação, é quando ele não passa mesmo”, esclareceu. Já a omissão de viagem é quando o trajeto não existiu, ou seja, não foi realizado conforme a tabela de viagens do dia.
Denúncia anônima de servidor
Antes do depoimento do servidor aposentado Luiz Carlos Alencar Filho, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Dr. Lívio (União), informou que entre as 185 denúncias recebidas pela CPI até o momento, uma foi feita anonimamente por um servidor da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos).
“Venho por meio deste realizar uma denuncia anônima sobre graves irregularidades ocorridas dentro da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos e Delegados de Campo Grande (Agereg) especificamente no que se refere às pesquisas relacionadas ao transporte publico realizadas pelo ouvidoria da agência. Sou servidor da Agereg, por razões de segurança e integridade profissional, opto por manter meu nome em anonimato. No entanto, é meu dever moral e ético alertar as autoridades competentes e a sociedade sobre o que está ocorrendo”, diz o e-mail recebido pela comissão.
“As recentes pesquisas divulgadas pela ouvidoria da Agereg que tratam da qualidade e satisfação do transporte coletivo na cidade de Campo Grande contém dados falsificados. Os números apresentados nos relatório foram deliberadamente inflados com o objetivo de criar uma imagem positiva dos serviços prestados que está muito aquém da realidade vivenciada diariamente pela população. Os resultados foram manipulados para apresentar um número significativamente maior de respostas positivas quando na verdade os dados brutos indicavam altos índices de insatisfação e críticas recorrentes”, afirma a denúncia.
Dr. Lívio classificou a denúncia como “grave” e que a Comissão Parlamentar de Inquérito vai fazer a verificação dos dados divulgados pela ouvidoria da Agereg.
O fiscal aposentado Luiz Carlos Alencar Filho respondeu a questionamentos a respeito das ordens de serviço que a Agência emitia para que o Consórcio Guaicurus elaborasse a escala de itinerários que circulam na Capital.
Alencar pontuou que, ao longo dos anos, “a quantidade de usuários do transporte coletivo vem diminuindo, a frota está envelhecendo e a manutenção se torna mais cara”. Segundo ele, até o ano de 2019, o Consórcio Guaicurus conseguia manter a idade média da frota em cinco anos, mas esse controle se perdeu após a pandemia.