Após três anos e meio sem decidir se recebe ou rejeita a denúncia, o juiz Robson Celeste Candeloro, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, concluiu que a propina paga pela JBS ao ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB) era “caixa dois” e o julgamento caberá à Justiça Eleitoral. Em despacho publicado no dia 25 de abril deste ano, ele reabriu o prazo para as defesas e o Ministério Público Estadual se manifestarem sobre o declínio de competência.
Esta será a terceira vez que a ação penal pela propina de R$ 67,791 milhões paga pela JBS ao tucano muda de instância. Inicialmente, a Procuradoria-Geral da República denunciou Reinaldo e mais 23 no Superior Tribunal de Justiça. O STJ declinou competência e a denúncia contra os réus sem foro especial chegou à 2ª Vara Criminal no dia 26 de novembro de 2011.
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Após Reinaldo deixar o cargo de governador, a denúncia contra ele também desceu para Campo Grande. O juiz decidiu remembrar o processo e unificou a denúncia contra os 24 acusados, entre os quais, o filho do ex-governador, o advogado Rodrigo Souza e Silva, o conselheiro Márcio Monteiro, do TCE, o prefeito de Porto Murtinho, Nelson Cintra (PSDB), o deputado estadual Zé Teixeira (PSDB), entre outros.
Agora, o magistrado decidiu devolver ao STJ a denúncia exclusivamente em relação ao ex-governador, que é acusado pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Crime eleitoral
Agora, o magistrado acatou pedido das defesas feitas pela maioria dos acusados, de que o caso é de competência da Justiça Eleitoral e deve ser redistribuído. Em setembro deste ano, a Operação Vostok completará sete anos.
“Pois bem. Quanto às doações oficiais, que, segundo a denúncia, tiveram como finalidade o pagamento de propina ao denunciado Reinaldo Azambuja em troca de benefícios fiscais caso vencesse o pleito eleitoral (fls. 145/147 e 172 e seguintes), esclareço que assiste razão ao Parquet no sentido de que caracteriza, em tese, os crimes de lavagem de capitais e corrupção, conforme foi narrado na denúncia o que, por consequência, afasta a competência da Justiça Especializada (Eleitoral)”, pontuou o magistrado.
“Nessa linha de raciocínio, as doações oficiais narradas na denúncia por não caracterizarem, em tese, crime eleitoral, não são suficientes para justificar o declínio de competência à Justiça Especializada, conforme bem argumentou o órgão ministerial”, afirmou.
“Por outro lado, quanto ao segundo ponto questionado pelas defesas (valores destinados à campanha eleitoral não declarados à Justiça Eleitoral – indícios de suposto ‘caixa 2’, com descrição expressa na denúncia), esclareço que havendo indícios de crime eleitoral ou descrição na denúncia de fatos que, em tese, possam caracterizar crime eleitoral conexo com crime comum, o feito deve ser remetido à Justiça Eleitoral, conforme dispõe o art. 35, II, do Código Eleitoral, bem como entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça”, ponderou, sinalizando mudança de entendimento sobre o pagamento da propina entre os anos de 2014 e 2016, de acordo com o MPE.
“No caso em exame, após detida análise da denúncia e das defesas prévias, observo que realmente o Ministério Público Federal apontou expressa e textualmente na inicial acusatória indícios de suposto crime eleitoral, ‘CAIXA 2’, bem como atuação do réu Ivanildo como ‘tesoureiro extraoficial’, o qual estaria obtendo dinheiro para campanha eleitoral de Reinaldo Azambuja e usando sua própria empresa (FORÇA NOVA DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS) para tal finalidade. Além disso, narrou o órgão de acusação que parte da propina paga pela JBS foi utilizada para ‘ressarcir’ o réu Ivanildo das despesas contraídas na campanha eleitoral de Reinaldo Azambuja”, ressaltou, sobre o empresário Ivanildo da Cunha Miranda, que seria o operador financeiro do tucano.
“Ocorre, no entanto, que não há qualquer informação na denúncia de que tais valores tenham sido declarados à Justiça Eleitoral”, pontuou. Dos R$ 67,791 milhões pagos pela JBS ao então governador, de acordo com a delação premiada, apenas R$ 10 milhões foram declarados à Justiça Eleitoral em 2014.
“Diante de todos os elementos indiciários acima transcritos, observo que o Ministério Público descreveu expressa e textualmente sérios indícios do suposto crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral1 (conhecido como ‘Caixa 2’), notadamente em razão da utilização de verbas em campanha eleitoral não declaradas à justiça eleitoral; tais verbas, no contexto narrado na denúncia, foram pagas supostamente com dinheiro de propina e em parte suportadas por Ivanildo e sua empresa Força Nova Distribuidora De Bebidas, de modo que, ao menos em tese, estamos diante de crime eleitoral conexo com os demais crimes denunciados”, destacou o magistrado.
“Além disso, segundo a denúncia, ‘IVANILDO também atuou como uma espécie de intermediário na obtenção de empréstimos em prol da referida campanha eleitoral”, bem como ‘tesoureiro informal de Reinaldo Azambuja’”, frisou o juiz.
“Assim, tenho que os elementos indiciários são sérios e demonstram aparente contexto de crime eleitoral. Dessa forma, considerando a complexidade do feito, as consequências de eventual declínio de competência e, com objetivo de propiciar o mais amplo debate a respeito da temática posta à apreciação, DETERMINO a abertura de vista dos autos ao Ministério Público e, na sequência, a todas às defesas para que, no mesmo prazo comum de 15 (quinze) dias concedido no item anterior, manifestem-se a expressamente a respeito dos pontos destacados acima, apresentando eventuais esclarecimentos para a manutenção (ou não) da competência neste Juízo e dos elementos indiciários de suposto crime eleitoral, com indicação das provas que eventualmente sustentarem e das paginas em que estão localizadas”, determinou.
Morosidade
A decisão de enviar a ação penal para outra instância do Poder Judiciário deverá retardar ainda mais o desfecho da denúncia protocolada no dia 15 de outubro de 2020.
De acordo com o MPF e o MPE, o suposto esquema de troca de incentivos fiscais por propina causou prejuízo de R$ 209,7 milhões aos cofres públicos.