O casal Lydio de Sousa Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres alegou ser a “verdadeira vítima” e rejeitou a proposta do Ministério Público Estadual de devolver a fazenda de R$ 24 milhões a um pecuarista de Corumbá e se livrar de ação penal por golpe. A propriedade rural de 5.984 hectares é citada pela Polícia Federal na investigação sobre venda de sentença na Operação Ultima Ratio.
De acordo com a denúncia, a Fazenda Vai Quem Quer foi comercializada pelo pecuarista Ricardo Pereira Cavassa. Só que as quatro propriedades em Iguape (SP), dadas como permuta, tinham restrições e o corumbaense não conseguiu assumir os imóveis e recorreu à Justiça para anular o negócio.
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Conforme a PF, a propriedade localizada em Corumbá foi vendida por um terço do valor e só será quitada após a ação transitar em julgado no TJMS. O julgamento foi realizado pela 4ª Câmara Cível, composta pelos desembargadores Alexandre Bastos (relator), Sideni Soncini Pimentel e Vladimir Abreu da Silva. Eles só levaram o caso a julgamento após a venda da fazenda.
A quebra do sigilo revelou bastidores da votação na turma. Pimentel ficou sabendo que Bastos votaria a favor de Cavassa e pediu voto divergente a favor do casal. No final, os três magistrados, que foram afastados na Operação Ultima Ratio pelo ministro Francisco Falcão, do STJ, votaram unânimes contra o cancelamento do negócio.
Tentando virar o jogo
O casal foi denunciado pelo MPE por ter dado golpe em Ricardo Pereira Cavassa. Na última segunda-feira (29), o juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, realizou audiência para discutir a proposta de acordo, em troca da devolução da fazenda, o casal seria absolvido da acusação de estelionato. A reunião terminou sem acordo e o caso irá a julgamento no dia 12 de novembro deste ano.
O primeiro indício de que o casal rejeitaria o acordo foi dado pelo advogado Fábio Teodoro de Farias. De manhã, ele protocolou a defesa de Rodrigues, contestando a denúncia de golpe e se apresentando como vítima e não golpista.
“Conforme já informado a esse douto Juízo, a verdadeira vítima dos presentes autos é o denunciado, diante da denunciação caluniosa praticada pela suposta vítima, que está usando o poder judiciário para proferir calúnias, difamações e informações equivocadas a respeito do mesmo, por manifesto inconformismo, má-fé e arrependimento pelo contrato de permuta exarado entre as partes”, acusou Lydio de Sousa Rodrigues.
“Ressalte-se, que o ora denunciado também permutou seus únicos bens, adquiridos com muito suor durante uma vida de 66 (sessenta e seis) anos de muito trabalho, e nunca foi indiciado e nem denunciado no âmbito criminal, não tem antecedentes criminais, sendo que jamais houve golpe”, rebateu.
Ele afirmou que Cavassa tinha conhecimento de que as áreas tinham restrições e de que os problemas já estavam solucionados. “A suposta vítima teve total acesso aos documentos das áreas permutadas (CARS, certidões de matricula imobiliária, mapas, etc.), examinou todos os documentos e providenciou o contrato de permuta exarado entre as partes, concordando com todos os termos e condições das áreas permutadas”, garantiu.
“Assim, conforme supra exposto a suposta vítima tinha pleno conhecimento da ação discriminatória que abrange toda região de Iguape-SP, não só pelos documentos apresentados e juntados aos presentes autos, mas também externados pelo denunciado (fls. 279-281), e pelo corretor de imóveis responsável pela transação – (fls. 416-417), antes da assinatura do contrato de permuta entre as partes”, garantiu Farias.
“Mais uma vez tentando tumultuar e trazer inverdades aos presentes autos, pois no próprio parecer do MPSP, está claro que houve uma promoção de arquivamento”, frisou. “Assim, resta provado a má-fé da suposta vítima, em querer induzir esse Juízo em erro, pelo fato de que as supostas multas são apenas advertências, restou provado que não houve desmatamento pelos próprios órgãos ambientais de fiscalização, ensejando o pedido de arquivamento pelo órgão Ministerial”, garantiu.
“Frise-se, que a suposta vítima tinha pleno conhecimento da venda de uma parte da área para o Sr. Sebastião, o denunciado o havia informado no ato da apresentação da documentação e antes da assinatura do contrato de permuta, além de referida informação ter sido apresentada pelo corretor de imóveis na negociação das áreas, e pelo filho do denunciado, João Gabriel, quando a suposta vítima foi visitar a área permutada”, ponderou o advogado.
De acordo com Lydio Rodrigues, as fazendas Belo Horizonte I, II e III e Capinzal possuem 2.099 hectares.
Votos de desembargadores mostram legalidade
Ao contrário da PF, Lydio Rodrigues cita os três desembargadores, que foram unânimes em lhe dar a vitória no TJMS, como mais um motivo de que não houve golpe nem compra de sentença.
“Como se observa do trecho supra transcrito, a suposta vítima já julgou e condenou o ora denunciado pelo crime de corrupção ativa, por compra de sentença da 4ª Câmara Cível do TJMS, sem juntar uma única prova da suposta prática delitiva, esse entendimento leigo fundado em conjecturas e suposições não pode prosperar, principalmente por operadores do direito que não podem prejulgar sem o devido processo legal, ampla defesa e contraditório”, rebateu, sobre o relatório da PF.
Sobre a troca de mensagens entre os desembargadores, a defesa diz que é “normal” magistrados e ministros discutirem o voto. “Ademais, referida matéria (do jornal) tem como âmago da suposta venda de sentença, um conteúdo de mensagem no celular de um dos desembargadores, externando que manteria o contrato de permuta ora discutido, porém, como é sabido por todos operadores do direito, é praxe que Desembargadores e Ministros, membros de colegiados, compartilhem seus votos e entendimentos com seus pares, inclusive, referidos julgadores podem mudar seus votos até mesmo em plenário, após sustentação oral”, explicou.
“Com relação as demais alegações, possuem o único intuito, de denegrir a imagem do denunciado, restando claramente demonstrado nos presentes autos e restará provado na instrução criminal que a suposta vítima tinha pleno conhecimento dos fatos alegados, ou seja, manifesto inconformismo e arrependimento pelo negócio realizado entre as partes”, acusou.
Não a acordo proposto pelo MPE
“Com relação a última proposta de suspenção condicional do processo, apresentada pela ilustre Membro Ministerial (fl. 989), com a devida venia, a defesa acredita ser manifestamente desarrazoada, e desproporcional, com relação ao item ‘e’, pelo fato de ser absolutamente excessiva e inviável, pois o MP não pode impor condições excessivas ou desproporcionais, pois é um benefício concedido ao réu, e as condições impostas devem ser proporcionais e razoáveis, visando a ressocialização e a prevenção de novos crimes, e não apenas dificultar a aceitação do benefício”, disse, rejeitando a proposta.
O item “e” previa o reparo dos danos causados ao pecuarista Ricardo Pereira Cavassa. Além da devolução da fazenda em Corumbá.
“No caso em tela, diante das condições excessivas e desarrazoadas, apresentadas pela ilustre Membro Ministerial, para o benefício de suspenção condicional do processo, com a devida venia, esse Juízo poderá recusá-las e solicitar ao MP que proponha condições mais adequadas, diante da impossibilidade de cumprimento das condições apresentadas”, concluiu.
Enquanto a PF investiga a suspeita de venda de sentença, o juiz Roberto Ferreira Filho vai julgar o casal por golpe contra o pecuarista de Corumbá.